Greve na Ópera de Paris pode estender-se por 2020

Paralisação iniciada a 5 de Dezembro levou já ao cancelamento de 63 récitas e à perda de 12 milhões de euros.

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Músicos da Orquestra da Ópera de Paris em greve no dia 31 de Dezembro Charles Platiau/ REUTERS

No site institucional da Ópera Nacional de Paris (ONP), podemos ler que o retomar da temporada 2019/20 se mantém agendada para 11 de Janeiro com dois espectáculos: o bailado Mes Parents et Moi, do atelier Anne Teresa de Keersmaeker, de manhã, para o público mais jovem; e o clássico O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, à noite, ambos no palco da Ópera da Bastilha. Mas não é seguro que este programa venha a ser cumprido: se não chegarem a bom termo as negociações entre os artistas e o pessoal desta instituição cultural francesa — das mais prestigiadas a par com a Comédie-Française — e o Governo de Emmanuel Macron, é bem possível que a greve iniciada na primeira semana de Dezembro continue no novo ano, e que os palcos da Bastilha e do Palácio Garnier continuem vazios por mais algum tempo.

Em causa está a proposta apresentada pelo Governo de reformar o sistema de aposentações dos trabalhadores e artistas tanto da ONP como da Comédie, que motivou o protesto generalizado dos visados — a agência AFP recordava este domingo que o regime actual em vigor, que remonta ainda ao ano de 1698, ao tempo do rei Luís XIV, permite aos bailarinos da Ópera a reforma aos 42 anos.

A contestação ao programa governamental de reformas começou no dia 5 de Dezembro, com um primeiro cancelamento das récitas com o bailado de Rudolf Noureev Raymonda e da ópera de Mozart Bastien e Bastienne, ambos no palco da Bastilha, e do bailado Le Parc, de Angelin Preljocaj, no Palácio Garnier. A greve haveria de manter-se por todo o mês de Dezembro, resultando, no final do ano — segundo​ avalia também a AFP —, no cancelamento de 63 espectáculos nos palcos das duas instituições e num prejuízo calculado em 12 milhões de euros.

A encerrar e a dramatizar a luta dos assalariados da ONP, assistiu-se ainda a dois acontecimentos inéditos: na véspera de Natal, uma vintena de bailarinos da companhia interpretou um excerto de O Lago dos Cisnes num palco improvisado sobre a escadaria do Palácio Garnier, algo que nunca tinha acontecido na história; uma semana depois, no último dia do ano, músicos da Orquestra da Ópera Nacional de Paris tocaram nas escadas da Bastilha partes das óperas Carmen, de Bizet, A Danação de Fausto, de Berlioz, e Romeu e Julieta, de Prokofiev, tendo terminado, em comunhão com algumas centenas de pessoas que assistiam ao inesperado concerto, como noticiou o jornal Le Figaro, com a entoação d’A Marselhesa, o hino nacional francês.

Em declaração à AFP, o director-geral da ONP, Stéphane Lissner, confirmou que esta greve, a mais longa jamais observada na instituição, “provocou uma diminuição importante do fundo de reserva”, e que isso terá necessariamente consequências no futuro, nomeadamente hipotecando “os investimentos para as próximas temporadas”. “Vai haver repercussões financeiras, tanto no funcionamento como nos orçamentos” dos próximos anos, acrescentou Lissner, que agora inicia o seu último ano à frente da ONP, onde entrou em 2014, e onde já se sabe que será substituído em 2021 pelo alemão Alexander Neef. Mas o ainda director-geral admitia, no entanto, que “a relação com o público não será afectada de forma irreversível”, acreditando que o seu sucessor apostará certamente numa “política de reconquista” dos espectadores e de novos públicos.

Já os grevistas anunciaram, numa mensagem divulgada quando da performance dos músicos da Orquestra Nacional da Ópera de Paris a 31 de Dezembro, que se recusam a “entrar numa paródia de negociações”, denunciando em simultâneo a “posição de força” do Governo de Emmanuel Macron.

Resta saber se, no próximo dia 11, as portas da Bastilha e do Palácio Garnier irão finalmente reabrir-se para se assistir à dança de Anne Teresa de Keersmaeker e às aventuras d’O Barbeiro de Sevilha.

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