Hamburguer, bolonhesa ou douradinhos: como alterar os hábitos das crianças nos restaurantes?

Como incentivar as crianças a comerem coisas diferentes? “Antes de tudo, dando os adultos, o exemplo”, defendem os nutricionistas ouvidos pelo PÚBLICO.

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Apesar de nem todos os restaurantes terem menu infantil, os que têm optam, quase sempre, por oferecer carnes picadas em hambúrgueres ou bolonhesas, por batatas fritas ou massa. Também há nuggets ou panados e os legumes raramente estão presentes no prato. Quanto às bebidas, podem ser água, sumos do dia ou refrigerantes. Para sobremesa, há uma bola de gelado, gelatina ou fruta. Estas ofertas são transversais — seja no restaurante do hotel de cinco estrelas, seja no de bairro. Opções essas que, na maior parte das vezes, são “pouco saudáveis”, alertam os nutricionistas.

“As escolhas dos menus infantis pouco saudáveis não se reduzem à quantidade de gordura, sal e açúcar, o grande problema é que não se incentiva à presença de frutas e hortícolas” nos pratos, alerta Pedro Graça, nutricionista, professor e director da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). 

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Para Cláudia Viegas, nutricionista e docente na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE), “o ambiente e oferta da restauração apenas reflecte os hábitos alimentares de casa”, pois, de acordo com os dados do último Inquérito Nacional de Alimentação e Actividade Física, os adultos não consomem frutas, hortícolas e legumes suficientes. Este é “um problema social”, alerta

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Jardim para refeições no Yours Bistrô. DR

Então, por que oferecem os restaurantes estes menus? Porque os adultos que acompanham as crianças as deixam consumir esses produtos, e os restaurantes querem manter os seus clientes satisfeitos, responde Pedro Graça.​ Um exemplo concreto é o do restaurante Yours Bistrô, no Porto, que tinha um menu infantil composto por um mini-hambúrguer e por filetes de peixe feitos à mão, com batatas fritas ou arroz. Miguel Matos, gerente do restaurante, lamenta que as crianças prefiram douradinhos congelados, do supermercado, do que os caseiros, mais saudáveis. Por isso, o menu infantil desapareceu do cardápio, “não faz sentido existir e os miúdos só quererem congelados”, justifica. 

Cláudia Viegas refere que a "palatabilidade” dos produtos — o que os torna agradáveis ao paladar —, fomenta o seu consumo. O crescimento do “sistema das refeições rápidas e já prontas” incentiva também o uso dos mesmos ingredientes na confecção; e o açúcar, sal e gordura são sabores “que conhecemos bem, e se associam ao sabor agradável e ao prazer”.

Usar as cores dos alimentos

Apesar disso, Pedro Graça defende que os restaurantes, se querem ter menus infantis, devem criá-los com critérios saudáveis e o apoio de nutricionistas. Por exemplo “pratos sazonais, para dar a conhecer os produtos de cada época, usando mais as cores dos alimentos como atracção, invés do açúcar, e incentivar o consumo de água e fruta” defende. Saber o valor nutricional dos produtos só seria interessante “se os pais conseguissem decifrar”

Como incentivar as crianças a comerem coisas diferentes? “Antes de tudo, dando os adultos, o exemplo”, começa por dizer a professora da ESHTE. Se os alimentos aparecem à mesa, no dia-a-dia, aumenta a probabilidade das crianças adquirirem hábitos alimentares mais saudáveis. Insistir “com persistência, mas sem forçar”, dedicando tempo ao momento da refeição e fazendo dela “uma prioridade”. Por isso, incluir as crianças nas compras do supermercado e na preparação da refeição é uma forma de conhecerem melhor os alimentos que ingerem e, também, de passarem um bom tempo em família. 

Mais do que a carne, os hortícolas são importantes, outra forma de incentivo que poderá ser utilizada é um maior conhecimento na confecção dos legumes, pois o mais comum é aprender a confeccionar pratos de carne e de peixe. “Os nomes dos pratos focam-se neste aspecto: ‘carne com…, peixe com…, bacalhau com …’. Socialmente não damos importância aos hortícolas, logo não desenvolvemos as técnicas apropriadas de preparação e confecção", constata Cláudia Viegas. 

Ambiente divertido

Sobre os menus desenhados para as crianças, a nutricionista considera que as doses servidas aos mais pequenos são “enormes”, e variam muito pouco — hambúrgueres, salsichas, nuggets, douradinhos, acompanhados de arroz e de batata frita, sem hortícolas e com inúmeras bebidas açucaradas à disposição, já “nem falando da sobremesa”, sublinha. Portanto, o ideal é que todos comam de forma saudável. À partida, em casa, não há pratos diferentes para adultos e crianças e, no restaurante, os miúdos “querem imitar os pais, logo um prato para pais e outro para os filhos não faz sentido”, considera Pedro Graça. 

​Além dos menus, os restaurantes procuram atrair as crianças através de espaços de diversão, no interior ou no exterior, com escorregas, jogos tradicionais ou individuais para colorir enquanto estão sentados à mesa. “Acho que quando os restaurantes oferecem muitos brinquedos não é bom sinal, pois estão mais preocupados em atrair as crianças através dos brinquedos do que pela comida que oferecem”, avalia o docente.

Já Cláudia Viegas considera que os espaços de diversão são “interessantes” para as crianças se divertirem enquanto os pais terminam a refeição, devido à sua dificuldade em permanecerem na mesa durante muito tempo. Contudo, esse deve ser gerido pelos adultos de forma a educar o estar à mesa”, conclui. Além do que é oferecido pelo restaurante, é comum ver as crianças agarradas aos tablets e telemóveis, perdendo-se assim o factor social em detrimento das novas tecnologias, lamentam os especialistas.

Consumo excessivo

De acordo com a Direcção-Geral de Saúde (DGS), o consumo máximo de gordura não deve exceder os 30% do valor energético diário, senão as crianças poderão sofrer de doenças cardiovasculares e circulatórias. O consumo excessivo de sal leva a “um risco alimentar evitável que mais contribui para a perda de anos de vida saudável”, revela a DGS. Já o açúcar pode levar ao aparecimento de diabetes.

A preocupação com a saúde alimentar dos portugueses tem sido tema de debate nestes últimos anos, tendo a DGS tomado várias medidas de combate ao problema. Em 2016 cerca de 30,7% das crianças sofriam de excesso de peso, e 11,7% de obesidade. No ano seguinte, foi criado o imposto especial de consumo sobre as bebidas adicionadas de açúcar e outros edulcorantes - incluído no Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA). Essa medida levou a indústria a alterar a composição dos produtos. Em 2017, as bebidas com elevado teor de açúcar passaram de 62% para 38% do mercado, diz o site oficial do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

No ano passado, além do imposto foi também feito um acordo com as indústrias para reduzir as quantidades de sal e açúcar nos produtos. Em 2020, a DGS espera “modificar a oferta alimentar em diversos espaços públicos, nomeadamente em todos os níveis de ensino e nas instituições do SNS”, pode-se ler no documento "Alimentação Saudável: Desafios e Estratégias 2018elaborado pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável.

Texto editado por Bárbara Wong

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