Banca não se conforma com travão à cobrança de juros negativos

A Associação Portuguesa de Bancos lembra que o sector tem “acatado” as disposições da lei e do regulador, recusando-se a assumir que a comissão progressiva sobre depósitos tenha carácter transitório.

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Bancos reclamam circustâncias particulares para criar novas comissões Ricardo Lopes

O Banco de Portugal (BdP) venceu, pelo menos por agora, o braço-de-ferro que manteve com os bancos sobre a aplicação de juros negativos apenas a grandes depositantes institucionais de natureza financeira, o que pode incluir entidades públicas, como a agência que gere a dívida pública, o IGCP. Mas os bancos queriam ir mais longe, chegar a todas as grandes empresas, e continuam a achar que têm razões para o fazer.

“O sector não está a antever nenhuma alteração, neste momento, em relação a esta matéria”, embora continue “a considerar que tem razão”, afirmou Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), a propósito do entendimento do BdP sobe a aplicação de comissões crescentes sobre depósitos de grandes clientes. “Instituições que são profundamente profissionalizadas, em muitas circunstâncias com um poder financeiro enorme, serem tratadas de maneira diferente do sistema bancário não faz nenhum sentido”, defendeu o presidente da APB, na Comissão de Orçamento e Finanças (COF).

O representante dos bancos garantiu que nunca foi equacionado pelos bancos a possibilidade de cobrar a referida comissão a clientes particulares e a pequenas e médias empresas. Mas as suas declarações deixam clara a discordância do entendimento do supervisor em relação à aplicação de comissões progressivas sobre contas de depósitos de grandes clientes, uma medida que, na prática, tem o mesmo resultado que uma taxa de juro negativa sobre os depósitos (situação que a legislação nacional não permite).

De acordo com esse entendimento do BdP, feito a partir da Carta Circular n.º 024/2014/DSC, as empresas, mesmo que grandes, e os particulares, continuam protegidos da comissão progressiva, embora suportem outros custos, o mesmo já não acontecendo em relação a um conjunto de outras entidades, como fundos de investimento ou pensões, entidades de moeda electrónica ou instituições de pagamento.

Ouvido também na comissão sobre o aumento de comissões bancárias, incluindo a que acaba de ser criada para os grandes depósitos, o vice-governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos, não escondeu que, na aplicação das novas comissões, “alguns bancos queriam ir além dos clientes institucionais de natureza financeira”.

O tiro de partida para aplicação da referida comissão foi dado pelo BPI, com uma comissão de 0,3%, mas que vai passar a 0,5% em Janeiro. Seguiram-se o BCP e a Caixa Geral de Depósitos, com uma taxa de 0,4%.

Durante a audição no Parlamento, Luís Máximo dos Santos foi questionado sobre a inclusão de entidades públicas, como o IGCP, a agência que gere a dívida pública, ou o instituto que gere os fundos da Segurança Social (IGFSS). Em relação a estas entidades, o responsável do BdP reafirmou o que já tinha dito ao PÚBLICO, que quanto ao primeiro os bancos poderão cobrar comissões sobre os depósitos, mas já não o poderiam fazer em relação ao segundo.

Porque a fronteira é ténue, a posição da APB sobre a IGFSS não foi clara, não se percebendo se seria ou não legítimo cobrar a referida comissão a esta instituição pública. Faria de Oliveira fez questão de referir que os bancos não farão distinção entre empresas públicas ou privadas.

Ao longo da audição sobre comissões, o presidente da associação garantiu que a interpretação do supervisor foi “um jeitinho” face a uma conjuntura e enquadramento legal desfavoráveis aos bancos. “A interpretação é válida, independentemente da transitoriedade da situação”, defendeu Faria de Oliveira, que enumerou um conjunto de razão subjacentes à criação da nova comissão.

Entre elas, o facto de os bancos portugueses estarem a suportar juros negativos no crédito à habitação (de taxas variáveis), sem poder aplicar, por limitação legal, taxas negativas directamente nos depósitos, como acontece em alguns países.

Outra das razões está relacionada com o facto de os bancos nacionais estarem a receber depósitos de entidades transfronteiriças, precisamente porque em Portugal não têm de pagar juros negativos, ao contrário do que acontece noutros países.

Faria de Oliveira apontou ainda como razões para a introdução das comissões “a falta de investimento em Portugal e a ausência de procura de crédito solvente [sem risco de pagamento]” para que os bancos coloquem o excesso de liquidez na economia. Na ausência destas condições, a alternativa é depositá-lo no BCE, com custos para as instituições financeiras.

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