Beatriz precisa de 230 mil euros para tratamento que evita que cancro regresse

Criança foi diagnosticada aos dois anos com um neuroblastoma. Já passou pela quimioterapia e operação para remover o tumor, mas o cancro voltou a aparecer. Pais procuram ajuda para financiar terapia ou vacina que destrói células cancerígenas.

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Beatriz foi diagnosticada aos dois anos e tem agora três TIAGO MAIA

Os pais de Beatriz Farmer-Maia, filha de pai português e mãe britânica, estão a angariar dinheiro para financiar o tratamento da criança de três anos que foi diagnosticada com um neuroblastoma, um tipo de cancro que surge sobretudo em crianças com menos de cinco anos. Precisam de 237 mil euros.

Beatriz, que vive com o pai, mãe e irmã de seis anos em Londres, foi diagnosticada aos dois anos, estando a receber tratamento desde Setembro de 2018 depois de um impasse inicial: foi necessária alguma insistência dos pais, desconfiados dos sintomas, para que Beatriz fosse devidamente avaliada. Os médicos diziam que o desconforto da bebé não passava de um vírus.

Os 18 meses de tratamento são normais para um neuroblastoma de alto risco e este é composto por quimioterapia, operação para remover o tumor principal e radioterapia, mas Beatriz teve de sair do curso normal das intervenções.

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Beatriz no hospital onde estava ser tratada TIAGO MAIA

“Ela estava no estádio quatro do cancro e o tratamento conseguiu limpar praticamente tudo. Ficou com três pontos no osso do crânio e com o tumor principal acima do rim. Nos exames, antes de fazer a operação para se retirar esse tumor, descobriram que um dos pontos que tinha desaparecido do crânio tinha voltado. A partir desse momento, ela passou a ser tratada como reincidente”, explica ao PÚBLICO Tiago Maia, pai de Beatriz.

Beatriz, ou “Bibi”, como é conhecida na família, está agora a participar num ensaio clínico que combina a imunoterapia com quimioterapia. A esperança dos pais, Tiago, de 40 anos, e Laura Farmer, de 39, é que este método resulte e a filha possa voltar ao tratamento normal. “A partir do momento em que [o cancro] reincide, o tratamento é complicado. Começámos a pensar noutros métodos fora do NHS [National Health Service, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido] também experimentais, mas com graus de sucesso que devíamos considerar. Foi por isso que começámos a recolher fundos, já que estes tratamentos não são financiados pelo NHS”, refere o pai de Beatriz.

Com a ajuda da família, amigos e vizinhos, o casal já conseguiu recolher mais de 43 mil libras (cerca de 51 mil euros). O objectivo é angariar 200 mil libras (cerca de 237 mil euros), dinheiro que já tem um tratamento específico como destino, ainda que tudo dependa de como corre o tratamento que Beatriz está agora a fazer.

De acordo com o pai, existem pelo menos duas intervenções para evitar que o cancro regresse. O casal não tem um objectivo monetário específico e Tiago realça que “as 200 mil libras tem sido o valor que pais na mesma situação têm pedido”. “O tratamento pode custar mais ou menos, aquele valor é apenas uma média de gastos”, refere. Uma das opções é uma vacina que está disponível no Centro de Cancro Memorial Sloan-Kettering (MSK), que tem várias localizações no leste dos Estados Unidos da América.

De acordo com o site da clínica, o neuroblastoma é tratado de formas diferentes dependendo se a doença é de baixo ou alto risco ou se teve uma reincidência. “Depois de o sistema do seu filho recuperar dos efeitos da quimioterapia, poderemos usar uma vacina antineuroblastoma para treinar o sistema imunológico a destruir as células cancerígenas que restarem. Até ao momento, mais de 100 crianças receberam esta vacina, que está actualmente a ser testada num ensaio clínico na MSK.”

A segunda hipótese passa por um método de imunoterapia que é actualmente realizado apenas no Hospital Sant Joan de Déu, em Barcelona. Esta terapia é semelhante à vacina e, de acordo com o site do hospital, consiste em “modificar ou educar o sistema imunológico do paciente para que ele possa reconhecer as células do neuroblastoma e, assim, quando o tumor se tenta reactivar, é menos provável que tenha sucesso”.

Um esforço entre dois países

Para angariar os fundos de forma fidedigna e segura, o casal decidiu recorrer a uma organização sem fins lucrativos que se dedica a ajudar os pais de crianças diagnosticadas com este tipo de cancro.

“A primeira coisa que fizemos foi entrar em contacto com uma associação que se dedica só ao neuroblastoma e que foi criada por pais de crianças que têm ou já tiveram este problema. A Solving Kids Cancer (SKC) ajuda a recolher fundos e aconselha os pais nos tipos de tratamento disponíveis”, diz o pai de Beatriz. Foi a SKC que criou na plataforma digital de recolha de fundos Just Giving a página para que qualquer pessoa possa fazer uma doação para o tratamento de Beatriz. Desta forma, caso a bebé não chegue a precisar do dinheiro, ou só precise de uma parte dos fundos disponíveis, o que sobrar poderá ser doado a uma criança com o mesmo problema.

Os pais criaram também várias páginas nas redes sociais para que todos possam acompanhar o progresso de Beatriz e para conhecer a sua história. “O que me tem custado é tentar fazer com que as pessoas em Portugal percebam a noção do angariar fundos que é muito comum cá e em Portugal quase não se vê porque as pessoas não estão tão habituadas ao conceito. Através da associação [SKC], o dinheiro não vai para a família directamente e só quando este for necessário é que eles o disponibilizam”, refere o pai.

As 44 mil libras já angariadas resultam do “esforço entre dois países”. Se em Portugal os amigos de Tiago organizaram, por exemplo, uma noite de bingo, na qual todos os fundos recolhidos vão para o tratamento da Beatriz, no Reino Unido lançaram-se outro tipo de iniciativas. “Desde concertos a jantares, noites com artistas que actuam e uma libra do bilhete de entrada vai para o fundo ou vendas de bolos. Esta semana vamos ter um concerto organizado por pais de amigos da Clara [filha mais velha] que também são músicos. Na semana seguinte alguns amigos vão vender decorações de natal num mercado e fazer um workshop para crianças”, enumera Tiago.

Mais comum em crianças abaixo dos 15 anos

O neuroblastoma é o tumor sólido extracraniano mais frequente em crianças e o cancro pediátrico mais comum depois das leucemias linfoblásticas, tumores cerebrais e linfomas. De acordo com o Instituto Nacional De Saúde Doutor Ricardo Jorge, este tipo de cancro tem uma frequência na ordem dos 10% das neoplasias da infância e a sua incidência, no Ocidente, é de cerca de uma em cada 100 mil crianças com idade inferior a 15 anos. É a segunda causa mais frequente de morte na infância, sendo responsável por cerca de 15% das mortes.

Segundo explica Caldas Afonso, director do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), na grande maioria, o neuroblastoma ocorre espontaneamente e a parte genética ou hereditária ocorre em apenas 1 ou 2%. “A grande maioria começa na zona abdominal e os restantes podem aparecer no tórax, pescoço, na parte pélvica, ou noutro local mais raro. A glândula supra-renal é o ‘local de eleição’ e os sintomas são normalmente dor ou desconforto abdominal”, explica ao PÚBLICO o médico.

Caldas Afonso afirma que é possível existir alguma dificuldade no diagnóstico inicial, mas apenas se o tumor tiver uma localização que não a zona abdominal. Questionado sobre o tipo de tratamentos que existem neste momento para o caso de reincidências, como aconteceu com Beatriz, o director do CMIN admite que nas situações de maior gravidade muitas vezes “não é possível controlar” a doença com a cirurgia, quimioterapia e radioterapia. “Vão surgindo novos fármacos e novos tratamento. Mais recentemente têm surgido alguns estudos com algum sucesso e que recorrem à imunoterapia. Esta é a abordagem mais recente que temos para os doentes de alto risco”, afirma.

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