Imunoterapia salvou Judy Perkins de um cancro da mama terminal

Tratamento experimental usou as próprias células do sistema imunitário de Judy Perkins, uma mulher que hoje tem 52 anos, para identificar e combater o cancro da mama que já se tinha espalhado pelo seu corpo. Para já, este é um caso único de sucesso neste tipo de cancro avançado com metástases.

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Judy Perkins faz actualmente uma vida normal que inclui caminhadas, corridas e andar de caiaque Judy Perkins

Uma mulher de 52 anos está há dois anos sem qualquer sinal de cancro depois de ter sido submetida, nos EUA, a um tratamento experimental que usou as suas próprias células imunitárias. Judy Perkins tinha cancro da mama avançado com metástases espalhadas pelo corpo e recebeu 90 mil milhões de células do sistema imunitário (linfócitos T) que tinham sido antes cultivadas em laboratório. O promissor resultado deste caso único de tratamento com imunoterapia de cancro da mama avançado foi publicado na revista Nature Medicine.

A notícia da reviravolta na vida de Judy Perkins corre mundo. A norte-americana de 49 anos fez um tratamento experimental que parece ter eliminado o cancro avançado da mama que se estava a espalhar por vários órgãos e que a tinha condenado a poucos meses de vida. Passados dois anos desta inovadora terapia, ainda não há sinal do cancro no seu corpo. O caso de Judy Perkins está agora a espalhar a esperança neste tipo de tratamento experimental mas os médicos avisam que este foi apenas o primeiro sucesso e que é preciso estudos mais alargados para demonstrar que esta abordagem resulta neste e noutros tipos de cancro.

Para este tratamento altamente personalizado, os investigadores começam por realizar uma minuciosa análise do ADN de uma amostra do cancro para identificar as mutações. No caso de Judy Perkins foram identificadas 62 mutações no tecido tumoral mas apenas quatro foram consideradas como alvos a atacar. Depois, o tratamento passa por procurar no mesmo tecido as células do sistema imunitário que são capazes de identificar estas quatro mutações. Estes linfócitos, uma espécie de soldados especializados, são extraídos do doente e depois cultivados em laboratório.

Tal como numa guerra, segue-se então o reforço do contingente de “tropas” personalizadas e especialmente dirigidas a este tumor que são injectadas no doente, juntamente com outros fármacos destinados a aumentar a eficácia destas células. Judy Perkins recebeu 90 mil milhões de novos “soldados” (linfócitos T) preparados para atacar este cancro, o seu cancro. Esta estratégia de combate que se baseia num recurso e reforço a linfócitos retirados do próprio doente já demonstrou ser eficaz nalguns cancros, mas até agora tinha falhado no cancro de mama com metástases. Aliás, as diferentes imunoterapias experimentadas até agora têm revelado sucesso sobretudo em cancros associados a um elevado número de mutações e outras características, deixando sem resposta os tumores causados por poucas mutações como era o caso do cancro da mama de Judy Perkins.

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Em Portugal, o programa de rastreio de cancro da mama é dirigido a mulheres a partir dos 50 anos REUTERS/Eric Gaillard

“Estamos à procura de um tratamento – uma imunoterapia – que possa ser amplamente usada em doentes com os cancros mais comuns”, diz à rádio NPR Steven Rosenberg, oncologista e imunologista do Instituto Nacional do Cancro nos EUA e um dos autores do artigo que descreve este tratamento publicado na Nature Medicine. Na mesma entrevista, o especialista avisa mesmo que a abordagem que agora teve sucesso pode não resultar para outras mulheres com o mesmo tipo de tumor avançado. Aliás, nota, o mesmo tratamento falhou noutras duas doentes com cancro de mama e, de uma forma mais geral, ajudou sete dos 45 doentes com outros tipos de cancros (do cólon, fígado e colo do útero), o que representa uma taxa de sucesso de cerca de 15%.

Assim, sobre a possibilidade de termos hoje este tratamento disponível ou de o podermos usar na maioria dos tumores a resposta é, por enquanto, “não”. Ainda assim, o resultado obtido agora com um cancro avançado da mama com metástases (que até agora estava fora do alcance destas terapias e era encarado como uma sentença de morte) não deixa de ser uma excelente notícia. “Acho que é o tratamento mais promissor que está actualmente a ser explorado para resolver o problema do tratamento de cancros metastáticos”, refere Steven Rosenberg à NPR.

Para Judy Perkins, uma engenheira reformada que vive na Florida, este tratamento é mais do que uma esperança ou promessa. Foi diagnosticada com cancro de mama e tratada pela primeira vez em 2003. O caso parecia relativamente simples, como em tantas outras histórias semelhantes. No entanto, dez anos depois sentiu um novo “nó” no corpo. O cancro tinha regressado e estava a espalhar-se rapidamente pelo organismo. O prognóstico do cancro metastático era mau. Fez várias rondas de quimioterapia e outros tratamentos, mas o cancro continuava a ganhar esta luta e ia invadindo o seu corpo. Alguns dos seus tumores cresceram até ao tamanho de bolas de ténis. Quando parecia estar perto de desistir, ouviu falar do tratamento experimental que estava a ser desenvolvido no Instituto Nacional do Cancro dos EUA. Tinha 49 anos quando começou a participar no ensaio clínico.

Apesar dos duros efeitos secundários que incluem febre alta, enjoos e tremores, levou o tratamento até ao fim. E ainda bem. “Toda a sua doença detectável desapareceu. É notável”, confirma Steven Rosenberg. Judy Perkins está consciente de que é “uma das sortudas”. “Conseguimos ter os linfócitos T certos no lugar certo na hora certa. E eles entraram e comeram o meu cancro. Estou curada. É muito irreal”, disse à NPR. Agora, segundo as várias notícias publicadas sobre esta história, Judy Perkins corre, faz caminhadas, anda de caiaque, e faz hoje uma vida normal. 

Num comentário que acompanha o artigo publicado na revista Nature Medicine, Laszlo Radvanyi, presidente e director científico do Instituto de Investigação do Cancro de Ontário, no Canadá, considera que os resultados obtidos são notáveis e “sem precedentes” neste tipo de cancro, sublinhando que é necessário avançar com esta linha de investigação e fazer mais estudos com mais doentes. O difícil desafio agora é tornar esta abordagem mais fácil e acessível.

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