Putin e Zelensky encontram-se pela primeira vez para tentar desbloquear negociações de paz

O Presidente ucraniano reúne-se esta segunda-feira com o chefe de Estado russo, em Paris, com Macron e Merkel a organizarem a reunião. Zelensky está a ser contestado nas ruas e por milicianos voluntários da linha da frente, que lhe pedem para não ceder.

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Zelenskii, Putin e Macron no Palácio do Eliseu, numa reunião que se prolongou durante a noite IAN LANGSDON/REUTERS

O Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, enfrentou esta segunda-feira um desafio que vai marcar o futuro do seu mandato: encontrar-se com o Presidente russo, Vladimir Putin, para tentar desbloquear as negociações de paz para o Leste da Ucrânia. Zelensky vê-se contestado nas ruas de Kiev e na linha da frente por os ucranianos temerem que possa ceder demasiado à mesa com Putin, sacrificando partes do país para alcançar a paz numa guerra que dura há cinco anos e causou mais de 13 mil mortos. 

O encontro entre os dois líderes é no Palácio do Eliseu, em Paris, e contará com a mediação do Presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler alemã, Angela Merkel. Acontece num momento em que Zelensky é contestado nas ruas e por milicianos voluntários no Leste do país, que se recusam a abandonar terreno para evitar as diárias violações de cessar-fogo. Sabe-se apenas que haverá mais reuniões entre Putin e Zelensky e que mais tarde haverá um comunicado de imprensa.

“Há entre alguns ucranianos desconfiança e preocupação sobre as negociações”, disse Volodimir Fesenko, analista político ucraniano, ao Guardian. Estão preocupados, continuou, que Zelensky "faça de demasiadas concessões a Putin, que este o engane. Há medos relativos à inexperiência do novo Presidente”. 

Zelensky não tem passado na política e é conhecido pelos ucranianos pela sua carreira como comediante e actor. Candidatou-se nas últimas eleições presidenciais, em Abril, prometendo acabar com a guerra no Leste da Ucrânia e conquistou uma maioria esmagadora contra o então Presidente, Petro Poroshenko. A sua promessa conquistou partes significativas do eleitorado, cansado de uma guerra que se arrasta, e tornou-se no marco do seu mandato. 

Mais de 13 mil mortos

Em 2014, a Revolução da EuroMaidan depôs o Presidente Viktor Yanukovitch, um aliado da Rússia, e pouco depois o Kremlin anexou a Crimeia e separatistas pró-russos pegaram em armas e declararam a independência de Lugansk e Donetsk, no Leste do país, com apoio russo. As tropas ucranianas avançaram contra os separatistas e começou um conflito armado que se arrasta até hoje, não obstante os acordos de Paz de Minsk, de 2015. Já causou mais de 13 mil mortos e as violações do cessar-fogo são diárias, com as linhas da frente a estarem à distância do arremessar de uma granada de mão (trinta metros). 

Zelensky tem dito conseguir acabar com o derramamento de sangue se se encontrar cara a cara com Putin, desbloqueando as negociações de paz. No entanto, muitos ucranianos receiam que possa ceder demasiado à mesa com Putin para cumprir uma promessa que passou a marcar a sua governação. Além disso, o Presidente precisa de uma vitória por se ver envolvido na política norte-americana com o impeachment de Donald Trump

“Irracionalmente, emocionalmente, Zelensky acredita conseguir resolver tudo num frente a frente com Putin”, disse Fesenko ao jornal britânico The Independent. “A impaciência é sempre uma virtude para a Rússia. Usa-a para forçar uma paz nos seus termos”. 

Os mais próximos do Presidente ucraniano contestam que a estratégia ucraniana seja baseada na impaciência, garantindo sê-lo num plano bem definido. “O primeiro dos três passos que o Presidente Zelensky vai dar no encontro em Paris serão: impor os termos e condições do regresso dos [soldados] ucranianos capturados; exigir um real, e não falso, cessar-fogo; e, claro, exigir a retirada de todas as tropas estrangeiras e bandidos terroristas do território do Donbass [Leste da Ucrânia]”, explicou a porta-voz do Governo, Yulia Mendel, citada pela Deutsche Welle. 

Rússia não abdica de Minsk

No entanto, o Kremlin pode não estar disposto a renegociar os acordos de paz de Minsk, uma vez que estes lhe são favoráveis e o campo de batalha não sofreu grandes alterações desde aí. “Depois da troca de prisioneiros de Setembro, o Kremlin não estava interessado num formato de cimeira do género do da Normandia [onde se realizaram as primeiras negociações, em 2014] e tentou romper as negociações”, explicou Tatiana Stanovaia, analista política russa, ao Guardian

Continuar a apoiar os separatistas mantendo um conflito de baixa intensidade no Leste da Ucrânia é visto como benéfico para o Kremlin, por, além de ter um instrumento capaz de pressionar a governação de um país que vê como antagónico desde a Revolução, evitar que Kiev adira à União Europeia e à NATO

Zelensky vê-se ainda a braços com uma outra frente, a interna, e Putin tem no antigo Presidente Petro Poroshenko um aliado para que as negociações não tenham sucesso. Poroshenko usou os medos e o orgulho nacionalista dos ucranianos para fazer oposição a Zelensky acusando-o de ir ceder a Putin e mobilizou este domingo milhares de pessoas para as ruas de Kiev, sob a bandeira das “linhas vermelhas” - a imprensa ucraniana já lhe chama de “Movimento Não à capitulação”.

“A nossa posição é muito simples: não acredite em Putin depois de tudo o que fez à Ucrânia”, disse Poroshenko à multidão no centro da capital ucraniana. “Não tenha medo de Putin!”. Para Poroshenko, tudo indica que as negociações não são o caminho a seguir. 

Contestado por milicianos

Mas Zelensky tem um problema maior entre mãos no que à oposição interna diz respeito, herança da governação de Poroshenko. Vê a sua autoridade como Comandante Supremo das Forças Armadas contestada. No final de Outubro, o Presidente ordenou o recuo das tropas ucranianas de Zolote e de duas outras cidades para aumentar a distância entre as duas linhas da frente e, assim, evitar as constantes escaramuças, mas houve quem não lhe obedecesse. 

Os milicianos voluntários do Regimento Azov, uma formação paramilitar de extrema-direita incluída na estrutura da Guarda Nacional ucraniana por Poroshenko, em 2014, recusaram obedecer-lhe e garantiram que não iam arredar pé. E Andrii Biletski, primeiro líder do regimento e hoje chefe do Movimento Azov, ameaçou enviar dez mil voluntários para Zolote, para “defender as posições conquistadas com sangue”. 

Há muito que analistas políticos alertam que as milícias, formadas a partir de 2014 para combater os separatistas, poderiam representar um desafio à autoridade do Estado ucraniano. As milícias perfazem muitas vezes mais de mil homens e têm ao seu dispor tanques e artilharia, ocupando posições chave na linha da frente. 

Vendo a sua autoridade contestada, o Presidente dirigiu-se à linha da frente para falar com 12 voluntários que se mantiveram nos seus postos. Com jornalistas a acompanhá-lo, acusou-os de o verem como um “tolo”. “Não me podem dar ultimatos. Sou o Presidente deste país. Tenho 42 anos de idade e não sou um tolo. Vim aqui para vos dizer para levarem as armas para longe da linha da frente”, disse Zelensky, citado pelo Independent.

As palavras do Comandante Supremo não foram suficientes e os voluntários mantiveram o desafio, acabando por ser desarmados pelo exército ucraniano. 

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