Leste da Ucrânia votou para confirmar líderes entre os ecos da guerra

Votação, que o Presidente disse não ter passado de "farsa", promete ser mais um prego no caixão do cessar-fogo.

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Em algumas assembleias de voto, havia lanche gratuito DIMITAR DILKOFF/AFP

Sem festejos, mas em ambiente de desafio, milhares de habitantes do Leste da Ucrânia votaram neste domingo para eleger os líderes das autoproclamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, cidades na linha da frente da mais grave confrontação entre a Rússia e o Ocidente desde o final da Guerra Fria. Kiev, como em todas as votações organizadas pelos separatistas pró-russos, repudiou o que diz ter sido “uma farsa realizada sob o cano dos tanques e das metralhadoras”.

“Pela justiça, pela felicidade, a paz e a prosperidade”, declarou Alexander Zakharchenko, o “primeiro-ministro” da república de Donetsk, no momento em que introduziu o boletim de voto na urna, já não como o habitual camuflado mas de fato e gravata. Zakharchenko, que em Agosto substituiu um cidadão russo à frente da administração rebelde, não era o único candidato à presidência, mas os resultados anunciados mal a votação terminou confirmam as previsões – segundo a comissão eleitoral local, o antigo electricista, de 38 anos, foi eleito com 81,37% dos votos e o seu partido conseguiu dois terços dos votos para a assembleia popular.

A vitória também deveria sorrir, sem margem para contestação, a Igor Plotnitski, um antigo militar da União Soviética que ocupava já a presidência da república popular de Lugansk, cidade que em Abril acompanhou Donetsk na rebelião contra as novas autoridades de Kiev, desatando uma guerra que fez desde então mais de 4000 mortos.

A votação deste domingo fez-se entre ecos do conflito. Um jornalista da Reuters em Donetsk conta que disparos vindos da zona do aeroporto eram bem audíveis ao início da manhã, pouco antes de os primeiros eleitores chegarem às secções de voto. Em muitas secções eram também visíveis os danos provocados pelos morteiros que durante o Verão caíram na cidade e, por todo o lado, sinais da paralisia económica provocada pela guerra.

“Somos cidadãos de Donetsk, não queremos viver debaixo de um governo que nos virou as costas”, disse à agência Sergei Kovalenko, um segurança privado de 58 anos, explicando porque só foi votar neste domingo, uma semana depois de o resto da Ucrânia ter votado para eleger um Parlamento que será dominado pelos pró-europeus e nacionalistas.

No Donbass, bastião da indústria pesada e do minério que durante décadas alimentou a economia ucraniana, a população é russófona e, ao invés da aproximação à União Europeia, quer manter intactos os laços económicos e culturais com Moscovo – neste domingo alguns dos que foram votar apresentaram-se com passaportes da era soviética e muitas secções estavam adornadas com símbolos da ex-URSS.

Estas eleições são, por isso, vistas como um passo para tornar definitiva a cisão com Kiev: “Espero que o nosso voto mude alguma coisa. Talvez possamos ser finalmente reconhecidos como um país verdadeiro, independente”, disse à AFP Tatiana Ivanovna, de 65 anos. Mas, pela mesma razão, o escrutínio é mais um prego no caixão do cessar-fogo acordado no início de Setembro e violado de forma quase contínua desde então.

O Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, exigiu à Rússia que não reconheça “esta farsa”, dizendo que a votação, ao invés das eleições locais prometidas por Kiev aquando do acordo de cessar-fogo, “são uma clara violação do protocolo de Minsk” que Moscovo assinou. E ainda a votação decorria, Kiev denunciava “uma intensa movimentação de equipamentos e tropas” oriundas da Rússia – jornalistas estrangeiros confirmaram ter visto vários camiões carregados de armas a caminho do aeroporto de Donetsk, mas sem conseguir confirmar a origem dos veículos.

Mas a Rússia já anunciou que reconhecerá os resultados da votação, carimbada à priori de ilegítima pelos líderes europeus, o que promete gerar novo foco de tensão entre os dois blocos de costas cada vez mais voltadas.  

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