Super Bock em Stock: Música em movimento de regresso à Avenida da Liberdade

Várias salas no eixo da avenida central lisboeta a acolher dezenas de concertos durante dois dias. Assim é há mais de uma década. Assim será esta sexta e sábado, com a 11ª edição do Super Bock em Stock. Michael Kiwanuka, Slow J, Viagra Boys, Josh Rouse, Curtis Harding, Bambino ou Orville Peck entre as quase 60 actuações em cartaz

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Slow J, que editou de surpresa, em Setembro, o seu segundo álbum, You are Forgiven, é um dos cabeças-de-cartaz do festival Rui Gaudêncio

Já lá vai mais de uma década desde que o festival se apresentou, desde que o eixo central da Avenida da Liberdade lisboeta e suas várias salas começaram a ser ocupadas anualmente para que, por um par de dias, se ouvisse a música que faz a actualidade, nos seus vários géneros e origens. Já mudou de nome, já voltou à designação original, já se expandiu para novos locais, aproveitando, por exemplo, a inauguração do novo Capitólio, no Parque Mayer. Já lá vai mais de uma década e, à décima primeira edição, sabemos aquilo com que nos vamos deparar no Super Bock em Stock. A surpresa, contudo, renovar-se-á. Afinal, a música nunca é a mesma.

Esta sexta e sábado, preparemo-nos, portanto, para ouvir o renovado Michael Kiwanuka e para descobrir em palco o novo álbum de Slow J. Espreitemos o regresso de uma lenda da música angolana, Vum Vum, sintamos o poder punk dos Viagra Boys, apreciemos as canções Josh Rouse e a harpa de Angélica Salvi. Ao todo serão quase seis dezenas de concertos, a decorrer entre o final da tarde e a madrugada, espalhados por nove espaços (Cinema São Jorge, Capitólio, Maxime, Teatro Tivoli, Garagem EPAL, Coliseu dos Recreios, Casa do Alentejo, Palácio da Independência e Estação Ferroviária do Rossio).

É talvez ingrato falar de cabeças-de-cartaz num festival que se faz das múltiplas escolhas que o público vai fazendo enquanto a noite avança, e que, não raras vezes, o leva a redefinir ao sabor do acaso os roteiros definidos antecipadamente. Ainda assim, é certo que Michael Kiwanuka, bem como Slow J, serão dois dos dos nomes mais aguardados do festival. O primeiro, que actua esta sexta-feira no Coliseu dos Recreios (22h), acabou de editar Kiwanuka, o seu terceiro álbum e aquele em que o músico nascido em Inglaterra filho de pais ugandeses concretiza de forma particularmente inspirada a veia confessional, envolvida em memórias soul clássicas (Terry Callier, Bill Withers, Curtis Mayfield), que mostrara nos dois primeiros discos e que o tornou uma promessa quase certeza (agora é certeza mesmo). O segundo, que veremos na mesma sala no dia seguinte, sábado (22h30), foi autor em 2017 de The Art of Slowing Down, um dos destaques da edição discográfica nacional desse ano, e surpreendeu-nos em Setembro com a edição surpresa do segundo longa-duração, You Are Forgiven. O músico setubalense, homem ancorado no hip hop, homem que o entende como expressão capaz de absorver toda a vastidão do mundo de sons que nos rodeiam, recentra-se no novo álbum num diálogo interior capaz de ser, à uma, melancólico e exaltante, tocante e celebratório, local e global. Sai dele como um nome obrigatório no panorama actual da música criada em Portugal.

Aos dois, entre os nomes de maior protagonismo, podemos juntar Curtis Harding, soul man do garage rock, entretanto reconvertido, com a edição de Face Your Fear, em soul man simplesmente, mas vestido em roupagens de um psicadelismo deliciosamente garrido (sábado, Coliseu, 21h), e Josh Rouse, o cantautor que causou furor há década e meia quando nos iluminou com folk tingida a soul e banhada em sol gracioso – estamos a pensar em 1972, o quarto álbum, e no single correspondente, Love vibration —, e que regressa sábado (Tivoli, 22h40) para apresentar o peculiar The Holiday Sounds of Josh Rouse, editado este ano e em que aborda a época festiva de um ponto de vista mais tropical, digamos.

Mas, se falamos de Harding e Rouse, não podemos deixar de parte o punk visceral, rock’n’roll proletário e incendiário (rima muito adequada neste contexto) dos suecos Viagra Boys (sábado, Estação do Rossio, 23h45) e não podemos deixar de recomendar a música múltipla de Sinkane, riquíssimo caldeirão de sons e culturas (afrobeat, funk, soul, jazz, soukous) bem apurado em Dépaysé, álbum que é o seu manifesto enquanto homem sudanês e americano, ocidental e africano (sexta, Coliseu dos Recreios, 20h30). Além deles, como não recordar que Luís Severo, um dos mais distintos e inspirados autores de canções da música portuguesa recente, como comprovado no terceiro álbum, O Sol Voltou, se apresentará na sexta, às 20h, no Teatro Tivoli, que Bambino, pioneiro do hip-hop português enquanto membro dos Black Company, nos mostrará o seu legado, bem fincado no presente, no Capitólio, sexta, às 21h50, ou que no dia seguinte, no Maxime, às 22h10, teremos a rara oportunidade de ouvir Vum Vum, nome histórico da música de Angola, homem de voz imponente que editou há exactamente cinco décadas um explosivo cocktail de funk, rock e tradição angolana intitulado Muzangola?

Ao longo de dois dias, haverá oportunidade de descobrir músicos como Orville Peck, homem que cruza country e crooning Chris Isaak com sensibilidade camp (sábado, Casa do Alentejo, 21h45), ou Col3trane, músico que dá fôlego soul à fervilhante cena jazz londrina (sábado, Capitólio, 23h45).

Sexta e sábado, tempo para aproveitar palcos com curadoria atenta. No Capitólio, a programação estará a cargo de Keso, o rapper portuense responsável pelo programa Ciência Rítmica Avançada da rádio Super Bock Super Rock: actuam na sexta Cálculo, Amaura, João Tamura e o supracitado Bambino e, no sábado, o próprio Keso, o já referido Col3trane, Orteum e Perigo Público x Sickonce. Na Garagem da EPAL, curadoria dupla. Sexta, Angélica Salvi e a estreia dos Club Makumba, ou seja, a banda formada por Tó Trips, pelo percussionista João Doce, ex-Wray Gunn, pelo saxofonista Gonçalo Prazeres e pelo contrabaixista Gonçalo Leonardo, são as escolhas de Paulo “Legendary Tigerman” Furtado, que este sábado sobe ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, para um concerto partilhado com Maria de Medeiros. Quanto aos Zarco e a Rapaz Ego, aventura a solo de Luís Montenegro, dos Salto, chegam sábado ao festival pela mão dos Capitão Fausto.

Entre nomes recentes do cenário nacional, como Bruno de Seda, Baleia Baleia Baleia, Marinho ou Nicki Moss, e músicos a despontar no panorama internacional, como Ady Suleiman ou Jordan Mackampa, haverá também tempo para reencontrar Marissa Nadler ou Helado Negro. O final de festa em cada um dos dias será, como habitualmente, no Coliseu. É assegurado na sexta-feira, a partir das 0h30, pelo dj set dos Friendly Fires no Coliseu, e sábado, a partir das 1h, pelo duo francês Haute.

Os bilhetes para os dois dias de festival custam 50 euros.

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