Apoiantes de Evo Morales querem forçar nas ruas queda do Governo de transição da Bolívia

Um país profundamente divivido enfrenta-se no que parece ser um crescendo de violência, sem sinais de apaziguamento das divisões políticas, económicas e raciais.

Fotogaleria
"Cholitas" sentadas no meio de gás lacrimogéneo com a bandeira Wiphala Henry Romero/REUTERS
Fotogaleria
A funda é usada contra a polícia David Mercado/REUTERS
Fotogaleria
Um homem ajoelha-se frente à polícia Marco Bello/REUTERS
Fotogaleria
Polícia em confrontos com os manifestantes Henry Romero/REUTERS
,Presidente em exercício
Fotogaleria
A Presidente interina Jeanine Áñez Henry Romero/REUTERS

Apoiantes de Evo Morales, o chefe de Estado cessante da Bolívia, enfrentaram a polícia e militares nas ruas de La Paz para pressionarem a queda da Presidente interina, Jeanine Áñez, e o regresso de Morales, cuja renúncia ainda não foi discutida no Parlamento, dominado pelo Movimento Al Socialismo, o partido que o apoia.

Colunas de manifestantes desceram pelas ladeiras da montanha que separa a cidade de El Alto, reduto político de Evo Morales, da capital, La Paz. Na maioria eram camponeses organizados pelos dirigentes do MAS.

“Marchamos para que a Presidenta (Jeanine) Áñez renuncie e para que o nosso Presidente Evo Morales volte. É isso o que queremos”, explicou Mariana Chaca, sentada no meio da rua. Aguarda as instruções dos líderes sobre o andamento da marcha. Mariana é o que na Bolívia se conhece como “chola”, uma denominação étnica para as mulheres mestiças vestidas com as roupas tradicionais. Fala um espanhol cuja pronúncia carece de rigor gramatical e sofre forte influência indígena. Defende o primeiro Presidente de origem indígena que a Bolívia teve, Evo Morales.

“Até que a Presidente Áñez ;renuncie, não pararemos”, insiste.

A Bolívia é um país dividido não só entre apoiantes e adversários de Evo Morales, mas também entre etnias, classes sociais e geografias. De um lado, os habitantes do chamado Altiplano, no oriente do país, na maioria de classe baixa e indígena. Do outro, os habitantes da planície, zona ocidental e mais rica do país. Em La Paz, as duas Bolívias encontram-se em choque.

Mariana Chaca carrega no rosto as marcas de uma vida de sacrifícios. Tem 35 anos, mas parece ter 50. Conta que trabalha com o gado e com a produção de batata. Vem de Achacachi, capital da província de Omasuyos, a 100 km de La Paz. O grupo de camponeses chegou, no dia anterior, a El Alto, de onde partiu em caminhada rumo ao centro da capital, a 10 km de distância.

A segunda vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, assumiu a Presidência interina do país na terça-feira, depois de Evo Morales ter renunciado, no dia 10, num país em convulsão social, à beira de uma guerra civil, por causa de umas eleições presidenciais sob suspeita de fraude.

Os apoiantes de Evo Morales classificam o candidato Carlos Mesa, que oficialmente ficou em segundo lugar nas presidenciais, e o líder cívico Luis Fernando Camacho, como os artífices de três semanas de manifestações da classe média que paralisaram o país contra o que denunciavam ter sido uma fraude promovida por Morales na contagem dos votos das eleições de 20 de Outubro. A missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) produziu um relatório que sustentou as acusações da oposição.

"Não os queremos aqui"

“Não queremos (Luís Fernando) Camacho nem Carlos Mesa. Não os queremos aqui. Queremos que morram, queremos as suas cabeças”, sentencia Mariana Chaca, enquanto um líder do MAS, através de um megafone, dá instruções sobre os lemas do protesto. Esses dirigentes políticos são o elo entre Evo Morales e os movimentos sociais. São os que organizam os protestos. Quem participa receber benefícios sociais.

No final da rua, polícias e militares, atrás de uma barricada que protege o Palácio Quemado, sede do Governo, assistem com atenção ao movimento.

O objectivo das marchas é chegar ao Palácio, mas os oito quarteirões em redor da Praça Murillo, que ficam em frente, estão protegidos por barricadas, usadas como trincheiras na guerra entre as forças de segurança e as marchas.

Do outro lado da rua, estão os homens. Assim como as “cholas”, carregam nas mãos uma bolsa de folhas de coca. O movimento de levar as folhas à boca e mascar é contínuo.

Oscar Marca, de 31 anos, também vem da província de Omasuyos. Conta à Lusa que os camponeses estão na luta incansável contra o golpe de Estado que dizem ter sido efectuado pela oposição, com o apoio das Forças Armadas, que sugeriram a renúncia de Morales.

“Violaram a Constituição contra o povo. A suposta Presidente Añez violou a Constituição e tem de renunciar. Os povos originários (indígenas) são os verdadeiros filhos do povo. Estamos de pé e não vamos parar com as mobilizações. Estamos firmes até o final”, afirma Oscar.

Jeanine Áñez autoproclamou-se Presidente baseando-se na renúncia de Evo Morales e no seu abandono do país, rumo ao México, onde recebeu asilo. Mas não havia quórum no Parlamento, nem para tratar da carta de renúncia de Morales, nem para designar a nova Presidente interina. A autoproclamação de Áñez, no entanto, foi avalizada pelo Tribunal Constitucional.

“Pisaram a Constituição. Na Assembleia (Parlamento), não havia quorum e, mesmo assim, ela autoproclamou-se, essa suposta Presidente Añez”, acusa Oscar. Os manifestantes consideram ilegal a posse da chefe de Estado interina.

“A Assembleia não tratou da carta de renúncia de Evo Morales. Portanto, nós exigimos que a Assembleia rejeite a renúncia para o regresso do nosso Presidente, que foi eleito pelos povos originários”, pede.

Wiphala ao alto

A marcha começa a avançar até a praça São Francisco, destino da maioria dos protestos, a quatro quarteirões do Palácio de Governo. Os manifestantes erguem a Wiphala, a bandeira dos povos indígenas do Altiplano. A bandeira é o símbolo da luta popular.

Um grupo de manifestantes desprende-se da marcha e tenta forçar passagem pela barricada que protege o outro lado da praça. A Polícia dispara com bombas de gás lacrimogéneo. Os mineiros, fieis a Evo Morales, disparam dinamites contra as barricadas.

A zona entre a Praça Murillo e a Praça são Francisco é agora uma zona de guerra. Carros de combate percorrem as ruas atrás dos violentos manifestantes. As “cholas” correm com as suas coloridas saias. As bombas de gás lacrimogéneo fazem ziguezagues pelo ar e caem onde os pacíficos se refugiam. A correria é geral. Os mais ousados voltam a enfrentar a polícia que volta a disparar. A batalha campal dura duas horas. Cinquenta pessoas são presas, entre as quais 22 mineiros que lançaram dinamites.

Do México, Evo Morales anuncia que “se a Assembleia rejeitar a sua renúncia, ele volta” e que “que os protestos não vão parar até retirar a “ditadura” do Palácio de Governo e acabar com o golpe de Estado”.

A ministra dos Negócios Estrangeiros, Karen Longaric, disse à Lusa que o novo Governo boliviano está “aborrecido” com esses pronunciamentos políticos de Evo Morales. “Já nos queixámos ao Governo mexicano sobre a falta de respeito pelos princípios de um asilo que proíbem os refugiados de fazerem pronunciamentos políticos”, disse Longaric.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários