Após o circo, a saia e o cerco: os transportes e a mobilidade

A aposta no transporte público constitui um desígnio de coesão nacional.

Na Assembleia Constituinte era o verbo, sem saias nem adornos. Uma ação de liberdade projetada no tempo, a quebra do grilhão de meio século de Nação amordaçada em ditatorial nevoeiro, que se debruçou na janela para, entre Cravos, crer num futuro com mais igualdade, liberdade e fraternidade.

E se, como imortalizou Sérgio Godinho, “a princípio [era] simples [andava-se] sozinho. [Passava-se] nas ruas bem devagarinho. [Estava-se] bem no silêncio e no burburinho. [Bebiam-se] as certezas num copo de vinho”, volvidos 45 anos, aos parlamentares da XIV Legislatura que ora se inicia, exige-se ainda mais na defesa dos valores da Constituição da República Portuguesa.

Os direitos laborais, o combate à corrupção e a recuperação dos serviços públicos – de entre os quais a Educação, a Justiça, a Saúde e os Transportes se destacam – consubstanciam a pedra basilar de um mandato que confirmará a vitalidade e a centralidade parlamentar.

No ponto segundo do Artigo 65º da nossa Lei Fundamental assevera-se a necessidade, tantas vezes esquecida para lá do alcatrão portajado, de programar e executar uma política que garanta a existência de uma rede adequada de transportes.

Acima de qualquer geometria parlamentar circunstancial ou da transitoriedade estratégica de um acordo escrito, o PS agirá sob a égide de que as infraestruturas e os serviços públicos de transportes deverão servir o povo português com segurança, qualidade, previsibilidade e conforto.

Nesta matéria, é fundamental que não erremos no diagnóstico. A política do “muito-para-além-da-Troika”, que norteou o Governo de Passos e Portas, acarretou pesadíssima factura. Cada cêntimo ilusoriamente poupado em manutenção multiplica-se hoje numa exponencial fatura de recuperação. Tal como tive oportunidade de verberar em sede parlamentar: destruir é muito mais rápido do que recuperar.

Foi, aliás, através da recusa do cego liberalismo que António Costa reverteu, com notável sucesso, as inenarráveis privatizações da Carris, STCP e da TAP, neste último caso com direito a tentativa de veto de desespero na 25ª hora.

No demais, as soluções necessárias requerem vasto tempo de espera e avolumada verba. Quando falha um comboio, sempre que se atrasa um avião, quando se paralisa um barco ou retarda um autocarro, o Estado falha à jornada quotidiana de trabalhadores, estudantes e a tantos milhares de turistas que animam a nossa Economia acima da média europeia.

Hoje, sabemos que está em curso um investimento de 168 milhões de euros, para a aquisição de 22 novas composições CP, no maior esforço de melhoria das nossas redes ferroviárias regionais das últimas duas décadas. Na mesma senda, o Governo do PS apostou na recuperação de 20 composições da CP que se encontravam desativadas por envelhecimento e fruto de um inexplicável desinvestimento na nossa capacidade oficinal. Assim, no módulo ferroviário, continuaremos a apostar na recuperação da EMEF, iniciando uma aposta estratégica na contratação de centenas de trabalhadores.

Ao nível do transporte público rodoviário, já se encontram em operação muitos dos 715 novos autocarros que ajudarão a descarbonizar a mobilidade nacional, movidos com tecnologias amigas do ambiente, num esforço financeiro de 220 milhões de euros, e onde se destacam os Transportes Coletivos do Barreiro.

No módulo fluvial, a aposta deste Governo no cumprimento dos planos regulares de manutenção aliada à aquisição de 10 novas embarcações para o grupo Soflusa/Transtejo e a par da contratualização de 33 milhões de euros para grandes manutenções extraordinárias, testemunham nos mais de 91 milhões de euros a inversão de um paradigma de má memória.

A validação por parte da APA da expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, com a ampliação do Aeroporto Humberto Delgado e edificação do novo aeroporto do Barreiro/Montijo, num investimento de 1,15 mil milhões de euros, representa o fim de um nó górdio ao desenvolvimento nacional, que impedirá a perda, por incapacidade de resposta, de mais de 600 milhões de euros/ano de exportações nacionais. Resolve-se deste modo, com as necessárias medidas de mitigação ambiental, uma hesitação executiva com mais de 50 anos.

Neste contexto, a conclusão do concurso público internacional para a concessão do novo terminal de contentores no Porto de Sines (Terminal Vasco da Gama), num investimento total na ordem dos 642 milhões de euros, bem como a edificação do novo terminal de Contentores do Barreiro, configuram o reforço da competitividade da Economia do Mar, num contexto global.

Por último, mas não menos relevante, a concretização do Programa Nacional de Apoio à Redução Tarifária (PART), com um valor global de 104 milhões de euros e que contou com os votos contra da direita, representa uma reforma estrutural com especial incidência nos agregados familiares de menos rendimentos e na integração dos segmentos mais idosos da sociedade, até agora excluídos do sistema de mobilidade.

Estes não são problemas novos, mas requerem e têm merecido uma apreciação imediata. Se a qualidade do transporte público se mede em minutos, a resolução dos problemas estruturais herdados, fruto dos efeitos ao retardador da austeridade, levarão o seu tempo a resolver.

Voltando ao imenso Sérgio Godinho, na atividade política, não raras vezes, “entra-se cansado e sai-se refeito. Luta-se por tudo o que se leva a peito”.

Muito para lá do circo e das saias, este é um imperativo que me move e esta é uma causa que deve ser colocada no topo da agenda Parlamentar. Contas feitas, a aposta no transporte público constitui um desígnio de coesão nacional.

 

Sugerir correcção
Comentar