Bolsonaro diz que não adulterou gravações do condomínio

Oposição acusou o Presidente brasileiro de obstrução à justiça por ter tido acesso às comunicações internas do edifício em que mora, no Rio de Janeiro, no dia da morte de Marielle Franco.

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Jair Bolsonaro estava em Brasília no dia da morte de Marielle EPA/Sebastião Moreira

O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, rejeitou as acusações de obstrução à justiça por ter acedido às gravações internas do seu condomínio no dia da morte da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, e do seu motorista, Anderson Gomes, no ano passado.

O homicídio da vereadora de esquerda tornou-se na mais recente arma de arremesso na arena política brasileira, sobretudo desde que se tornou conhecido o testemunho do porteiro do condomínio onde Bolsonaro vive.

Em entrevista ao canal Record, transmitida no domingo à noite, Bolsonaro reforçou os ataques contra a rival rede Globo – que divulgou uma reportagem dizendo que o nome do Presidente é referido nas investigações – e tentou afastar as suspeitas de que tentou adulterar provas. “O que eu fiz foi filmar a secretária electrónica com a voz de quem atendeu o telefone. Só isso, mais nada”, afirmou Bolsonaro.

“Não peguei [nas gravações], não fiz backup, não fiz nada”, justificou o Presidente, acrescentando que as informações da portaria do seu condomínio estavam “com a Polícia civil há muito tempo”. “Ninguém quer adulterar nada.”

Bolsonaro referia-se a um vídeo que o seu filho Carlos, vereador no Rio, fez logo depois da reportagem da Globo em que era possível ouvir gravações das comunicações entre a portaria do condomínio e os apartamentos – e onde é possível verificar que não houve contacto entre o apartamento de Bolsonaro e um dos suspeitos do homicídio de Marielle Franco.

Na semana passada, a Globo divulgou uma reportagem em que são revelados dois depoimentos do porteiro em que afirma que um dos suspeitos da morte de Marielle, Élcio Queiroz, se deslocou ao condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, horas antes do homicídio, e pediu para aceder ao apartamento de Bolsonaro. O porteiro ligou para o apartamento 66 e alguém, que se identificou como “seu Jair”, terá dado autorização para Queiroz entrar.

O ex-agente policial acabou por se dirigir ao apartamento 58, onde vivia Ronnie Lessa, suspeito de ter sido seu cúmplice no crime. Mas a peça da Globo mostra também um registo manual feito pelo porteiro em que está registado o pedido de visita de Queiroz a Bolsonaro, que naquele dia estava no Congresso Nacional, em Brasília, onde era deputado federal.

Um dia depois da reportagem, o Ministério Público do Rio de Janeiro disse que o porteiro mentiu, depois de analisar as gravações do condomínio.

Na entrevista à Record – canal detido pelo influente líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, apoiante do Presidente –, Bolsonaro recuou em relação às declarações que tinha dado inicialmente sobre as gravações, e que geraram dúvidas quanto à licitude do acto. “Nós pegámos [nas gravações] antes que fosse adulterado, pegámos lá toda a memória da secretária electrónica, que é guardada há anos [e] a voz não é minha”, disse então Bolsonaro.

As suspeitas de que Bolsonaro e os seus filhos tiveram acesso a provas antes da polícia motivaram a apresentação de queixas junto do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria-Geral da República por obstrução à justiça. As queixas foram interpostas pelos líderes da oposição no Senado e na Câmara.

“Não cabe ao Presidente da República determinar a apreensão de provas. Esperamos que se determine o quanto antes a devolução do material apreendido pelo Presidente da República e que o mesmo responda perante a justiça pelo ilícito que confessou ter pedido”, dizem os parlamentares, num comunicado citado pelo jornal O Globo.

As investigações ao homicídio de Marielle também abriram um foco de tensão entre Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Na entrevista à Record, Bolsonaro voltou a acusar Witzel de ser o responsável pelas fugas de informação. “Ele tem usado a máquina pública para me perseguir”, afirmou o Presidente.

O governador, que foi eleito no ano passado como um aliado de Bolsonaro, nega todas as acusações.

O embate entre Bolsonaro e Witzel permite antever uma longa – e provavelmente suja – disputa até às eleições de 2022, para as quais o governador já se posiciona como pré-candidato e, por isso, se tem distanciado do actual Presidente que procura ser reeleito.

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