Para se poder defender do impeachment, Trump terá de colaborar com a sua “caça às bruxas”

Partido Democrata revela as regras para a nova fase do processo de impugnação do Presidente Trump, que vão ser votadas na quinta-feira na Câmara dos Representantes. Se a Casa Branca continuar a vetar testemunhas e a reter documentos, poderá ver os seus pedidos de defesa rejeitados.

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Trump pode ser o terceiro Presidente dos EUA a ser impugnado pela Câmara dos Representantes Reuters/LEAH MILLIS

O Presidente norte-americano, Donald Trump, vai poder assistir a futuros depoimentos no processo de impugnação de que está a ser alvo na Câmara dos Representantes, e os advogados da Casa Branca vão ter a possibilidade de convocar e questionar testemunhas de defesa. As novas regras, reveladas na noite de terça-feira pelo Partido Democrata, vão ser votadas na quinta-feira pelos congressistas dos dois partidos, e incluem uma ressalva importante: se Trump se recusar a colaborar com a investigação, que diz ser inconstitucional e a que chama uma “caça às bruxas”, poderá ver recusados os seus pedidos de defesa numa fase do processo aberta ao grande público.

A esperada aprovação das novas regras marca o arranque de uma segunda fase no impeachment, que está cada vez mais perto de desembocar num raro julgamento de um Presidente dos EUA pelo Senado norte-americano.

Na quinta-feira, os 435 congressistas do Partido Democrata e do Partido Republicano vão ser chamados a dizer se autorizam, ou não, que o processo de impugnação siga em frente, agora com regras que permitem a realização de audições públicas.

Espera-se que a proposta seja aprovada com os votos da maioria do Partido Democrata, ainda que alguns congressistas eleitos em estados tradicionalmente republicanos se arrisquem a perder o seu mandato nas eleições de Novembro de 2020.

Em linha com o passado

A votação de quinta-feira é o principal desenvolvimento desde finais de Setembro, quando a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, formalizou a abertura de um processo de impugnação contra o Presidente Trump.

Até agora, o processo tem sido conduzido à porta fechada, como se se tratasse da fase de inquérito numa investigação do Ministério Público, que é representado na câmara baixa do Congresso norte-americano pelas comissões de Serviços Secretos, de Negócios Estrangeiros e de Supervisão e Reforma – onde o Partido Democrata está em maioria.

A partir desta semana, os congressistas do Partido Republicano que têm lugar nas mesmas comissões vão também poder chamar testemunhas, e não apenas ouvir e questionar as que foram convocadas até agora pelos congressistas do Partido Democrata.

O Presidente Trump e o Partido Republicano têm acusado o Partido Democrata de conduzir um processo de impugnação em segredo e inconstitucional, por não ter sido aprovado pelos congressistas numa votação global – o que vai acontecer na quinta-feira.

A Constituição dos EUA não diz se um processo de impugnação deve ser conduzido em público ou à porta fechada, nem se tem de haver uma votação formal antes do arranque dos trabalhos de investigação – diz apenas que é à Câmara dos Representante que cabe essas e outras decisões.

Tal como aconteceu nos casos de Richard Nixon (1974) e Bill Clinton (1998), que envolveram audições por um grande júri numa fase inicial, a actual liderança do Partido Democrata decidiu realizar uma primeira fase à porta fechada, mais centrada na recolha de documentos e testemunhos, e prepara-se agora para dar mais margem de manobra ao Presidente Trump e aos seus defensores no Partido Republicano.

Na quinta-feira, a Câmara dos Representantes vai também votar uma autorização para que as três comissões que lideram o processo nesta fase possam enviar, no final da segunda fase, as suas conclusões para a Comissão de Justiça. Tal como aconteceu em 1974 e 1998, é à Comissão de Justiça que cabe formular as acusações contra o Presidente e enviá-las para uma votação final de toda a Câmara dos Representantes – se isso acontecer, o processo passa para o Senado, que funcionará como um tribunal para julgar o Presidente.

Nunca um Presidente dos EUA foi afastado da Casa Branca na sequência de uma condenação no Senado, mas dois já foram impugnados na Câmara dos Representantes: Andrew Johnson (1868) e Bill Clinton (1998/1999) foram julgados pelo Senado, mas em ambos os casos não houve uma maioria de dois terços para os condenar. E Richard Nixon resignou em 1974 quando a Comissão de Justiça já tinha enviado a sua acusação para votação na Câmara dos Representantes, mas antes de essa votação acontecer.

Trump desmentido

No primeiro mês do impeachment, as três comissões da câmara baixa do Congresso, compostas por congressistas do Partido Democrata e do Partido Republicano, ouviram à porta fechada os depoimentos de várias testemunhas sobre a acusação central contra Trump – a de que o Presidente norte-americano pressionou o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, a lançar investigações criminais contra um dos possíveis candidatos do Partido Democrata nas eleições de 2020, Joe Biden, em troca do envio de um pacote de quase 400 milhões de dólares para reforçar os combates contra os separatistas pró-russos no Leste da Ucrânia.

A principal denúncia foi feita ao inspector-geral dos serviços secretos norte-americanos por um agente da CIA, em Agosto, e tem sido apoiada por várias testemunhas durante as audições à porta fechada na Câmara dos Representantes. Entre essas testemunhas estão o embaixador interino dos EUA em Kiev, William Taylor; a sua antecessora, a diplomata de carreira Marie Iovanovitch; Fiona Hill, até Agosto uma especialista em assuntos europeus e russos no Conselho de Segurança Nacional norte-americano; e Alexander Vindman, um tenente-coronel, veterano da guerra do Iraque, e especialista em assuntos ucranianos no mesmo conselho de segurança.

De acordo com as testemunhas principais, foi o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, quem coordenou a campanha de pressão da Casa Branca sobre a Ucrânia. Essa campanha teve como ponto alto uma chamada telefónica entre Trump e Zelensky, a 25 de Julho, mas incluiu também reuniões com representantes ucranianos e o afastamento da embaixadora Iovanovitch da embaixada de Kiev, em Maio.

Outro dos responsáveis intimados a depor no processo de impugnação, o embaixador dos EUA na União Europeia, Gordon Sondland, disse que o Presidente Trump deixou claro que não estava em causa nenhuma troca de favores com o Presidente Zelensky. Sondland, um magnata do sector hoteleiro que tem participado em campanhas eleitorais de candidatos do Partido Republicano, doou um milhão de dólares à comissão de investidura do Presidente Trump, em 2017, e foi nomeado embaixador dos EUA na União Europeia em Julho de 2018.

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