Pode um acordo para o “Brexit” surgir antes das doze badaladas?

Negociadores da UE e do Reino Unido estão fechados num derradeiro esforço para encontrar um compromisso antes da reunião do Conselho Europeu de quinta-feira.

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Michel Barnier avisou que Londres tinha de entregar um rascunho do tratado jurídico para o "Brexit" até à meia-noite LUSA/JULIEN WARNAND

As discussões entre as equipas negociais do Reino Unido e da União Europeia para encontrar uma solução que permita fechar o acordo para o “Brexit” até ao Conselho Europeu entraram esta terça-feira no período de “tempo-extra”, impulsionadas por um novo frenesim após a apresentação de uma proposta de compromisso que o lado britânico esperava pudesse satisfazer as exigências europeias para avançar com o processo.

Para aceitar o prolongamento das negociações até à cimeira, Bruxelas exigiu que a equipa britânica apresentasse uma versão escrita do novo texto jurídico que consagra os termos do divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia. Um rascunho desse documento teria de se materializar até à meia-noite de quarta-feira para ainda poder ser traduzido em todas as línguas da UE e submetido à apreciação das 27 capitais, antes de ser discutido pelos líderes.

“Esta é a hora de transformar as boas intenções num texto jurídico”, pressionou o negociador da UE para o “Brexit”, Michel Barnier, antes de mais uma reunião preparatória da cimeira com os ministros dos Assuntos Europeus dos 27, no Luxemburgo. O argumento dos europeus é que o debate político não pode ser um exercício teórico, antes tem de assentar numa base técnico-jurídica que garanta a operacionalidade e estabilidade do acordo de saída.

À entrada para o encontro, Michel Barnier foi ambíguo na sua descrição do ponto em que se encontram as negociações. “Mesmo que a obtenção de um acordo esta semana seja muito difícil — cada vez mais difícil, para ser franco — acreditamos que ainda é possível. Obviamente, os termos têm de ser aceitáveis para todos: para a totalidade do Reino Unido, e para a totalidade da União Europeia”, lembrou, numa nota de que, tal como foi desenhada, a proposta britânica não serve os interesses dos europeus.

Em Dublin, o primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, revelou-se igualmente cauteloso. “As indicações que temos são de que as negociações estão a progredir numa boa direcção, mas para já não é muito claro que seremos capazes de concluir a revisão do acordo de saída a tempo do Conselho Europeu”, informou. Uma declaração que mantinha em cima da mesa a hipótese de um compromisso, mas tornava mais provável o cenário de uma nova extensão do prazo do “Brexit” para a conclusão das negociações — o cenário do no-deal, que ainda é possível, parece ter ficado mais afastado.

Segundo fontes europeias, a única hipótese de fechar um acordo rapidamente dependeria de uma enorme concessão do Reino Unido relativamente ao protocolo da Irlanda. Londres teria de concordar com a solução originalmente proposta pela UE para evitar a reposição das fronteiras e controlos alfandegários na ilha: uma cláusula de segurança (ou “backstop”) para manter o território da Irlanda do Norte dentro do mercado único europeu, com a fronteira entre as diferentes zonas aduaneiras da UE e do Reino Unido a transferir-se para o mar da Irlanda. No início de 2018 a então primeira-ministra, Theresa May, rejeitou essa ideia, que também foi recusada por Boris Johnson.

Mesmo que o líder conservador reveja a sua posição e concorde agora com um “backstop” circunscrito à Irlanda do Norte, o acordo só ficará fechado após a aprovação da Câmara dos Comuns, onde se espera uma dura batalha pelos votos. Além da incerteza política em Londres, um outro aspecto preocupa os negociadores europeus: Boris Johnson também descartou a promessa de um “level playing field” (isto é, de igualdade de condições) que Theresa May inscreveu na declaração política para a relação futura entre o Reino Unido e a UE. Berlim e Paris já chamaram a atenção para as consequências dessa decisão: o Reino Unido deixaria de ser encarado como um parceiro e passaria a ser tratado como um potencial concorrente comercial, à semelhança da China e dos Estados Unidos.

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