Guido Guidi foi à caça das sombras do Porto

A convite de dois curadores portugueses, o importante fotógrafo italiano registou a cidade que está para lá dos limites das sightseeing tours. Exposição na Escola das Artes da Universidade Católica concretiza um projecto apoiado pelo concurso municipal Criatório.

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Imagem do projecto Caçador de Sombras Guido Guidi
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Imagem do projecto Caçador de Sombras
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Guido Guidi DR

O título saltou naturalmente, espontaneamente, da pichagem numa casa em ruínas na zona oriental do Porto: SHADOW HUNTER (Caçador de Sombras). “Quando vimos aquele graffiti numa parede para os lados da Rua do Barão de Nova Cintra, percebemos que tínhamos ali não só o título como o espírito da exposição.” Paula Parente Pinto e Joaquim Moreno descodificam assim Caçador de Sombras, que traz de volta a Portugal o fotógrafo italiano Guido Guidi (n. Cesena, 1941) e que terá a sua inauguração às 18h30 desta terça-feira na galeria da Escola das Artes da Universidade Católica, no Porto.

Caçador de Sombras é a concretização do projecto que a dupla de curadores apresentou em 2018 ao concurso Criatório, promovido pela Câmara Municipal do Porto. Depois de em 2014 terem comissariado, na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, a exposição Guido Guidi/Carlo Scarpa: Túmulo Brion, reunindo o trabalho de vários anos que o fotógrafo dedicou ao túmulo projectado por Carlo Scarpa (1906-1978) em San Vito Altivole, Paula Parente Pinto e Joaquim Moreno pensaram num modo de desafiar Guidi – que haviam conhecido na década anterior em Veneza, e de quem se tornaram amigos – a vir fotografar o Porto.

“Era preciso inventar a oportunidade”, explica a curadora, e ela surgiu com o Criatório. “Achámos que podia interessar à Câmara ter um olhar externo sobre a transformação da cidade, em contrapelo da imagem com que os turistas são bombardeados, uma urbanidade feita só de lugares notáveis”, acrescenta Paula Pinto ao PÚBLICO na véspera da montagem.

Na candidatura à bolsa municipal, explicava-se que Guido Guidi viria fazer “um itinerário entre bairros”, uma “viagem aos limites do Porto”. “Num momento em que o discurso é mais normativo, mais acelerado, e as imagens que se produzem sobre o centro da cidade são só sobre a grande mercantilização, era importante olhar para os limites”, justifica Joaquim Moreno, acrescentando que a escolha do percurso pela zona oriental foi feita com o apoio da associação The Worst Tours, entretanto desalojada pela autarquia do seu quiosque junto ao Jardim de São Lázaro.

Assim, em Outubro do ano passado, Guidi chegou ao Porto com a sua câmara de grande formato para fotografar “as sombras” da zona oriental da cidade: casas, fábricas e ilhas em ruínas e tomadas pela humidade e pela vegetação; varandas com roupas e tapetes a secar ao sol; portas, janelas e recantos obscurecidos pelo tempo e pelo abandono – o Porto nos antípodas do postal ilustrado e fora do percurso das sightseeing tours.

Missão em Guimarães

Antes da exposição sobre o Túmulo Brion em Lisboa, o fotógrafo italiano tinha já exposto o seu trabalho em Portugal numa ocasião anterior: ao lado do belga Filip Dujardin, do sueco J.H. Engström e da norte-americana Katalin Deér, foi um dos quatro convidados estrangeiros da Missão Fotográfica. Paisagem Transgénica lançada pela Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, que impulsionou novos olhares sobre a paisagem industrial do Vale do Ave.

A operação Caçador de Sombras seguiu o mesmo ideário: fixar as imagens de uma cidade que não se confina ao espaço urbano clássico, espraiando-se numa mancha sem limites reconhecíveis. Neste sentido, a viagem de Guido Guidi aos confins de um Porto que já não é delimitado pela Circunvalação, pelo trilho do caminho-de-ferro de Campanhã e pelas linhas de água do Douro e do Atlântico vem na sequência da obra cartográfica que o italiano vem construindo no seu país, através das missões fotográficas em que participou ao lado de vários arquitectos e urbanistas, “nomeadamente Bernardo Secchi, com quem colaborou muito de perto”, nota Joaquim Moreno.

Tendo estudado arquitectura e desenho industrial em Veneza, Guido Guidi deixou-se depois atrair pelos caminhos da fotografia, que estudou com o historiador Italo Zannier, e pelas artes gráficas, na linha da escola da Bauhaus. E se, além de Carlo Scarpa, Guidi dedicou já livros à obra de Le Corbusier e de Mies van der Rohe – também já disse que gostaria de trabalhar sobre Álvaro Siza –, “a arquitectura não é a sua praia pública”. “Guido é da geração dos novos fotógrafos, dos que em vez de fotografarem coisas excepcionais fotografam aquilo que existe, o território à sua volta”, diz o curador.

A obra de Guido Guidi encontra-se profusamente documentada em sucessivas edições bibliográficas, entre as quais se destacam os títulos Varianti (1995), Cinque Paesaggi, 1983-93 (2013), distinguido com o Prémio Hemingway, e Veramente (2014), associado a uma exposição na Fundação Cartier-Bresson, em Paris. Actualmente está a ser editado pela chancela britânica Mack, que no seu calendário inclui também a reedição do projecto Missão Fotográfica. Paisagem Transgénica.

Um filme de Paulo Catrica

Associado, desde o início, ao projecto Caçador de Sombras está também o fotógrafo Paulo Catrica, que tem a seu cargo um documentário, intitulado Vivi Nascosto, sobre o percurso do italiano. Começou a filmá-lo na montagem da exposição no CCB, entrevistou-o depois na sua casa em Cesena e acompanhou-o na viagem ao Porto. O resultado será visto no próximo ano, mas o Auditório Ilídio Pinho da Escola das Artes da Católica mostrará a 3 de Dezembro uma primeira versão deste trabalho. Entretanto, e já na inauguração desta terça-feira, Catrica vai estar ao lado de Paula Parente Pinto a falar da obra do fotógrafo italiano, numa sessão em que intervirão também Joaquim Moreno e o geólogo (e colunista do PÚBLICO) Álvaro Domingues, abordando o tema Silêncios, ausências e outras avarias.

A decorrer até 13 de Dezembro, o programa da exposição inclui ainda visitas guiadas e o ciclo de filmes Porto, Periferia, com a exibição de Tarrafal (2016), de Pedro Neves (16 de Outubro); Arca d’Água (2009), de André Gil-Mata, e Píton (2011), de André Guiomar (dia 23); e Não consegues criar o mundo duas vezes (2017), de Francisco Noronha e Catarina David (dia 30).

No início de Dezembro, o próprio Guido Guidi deslocar-se-á novamente ao Porto para dirigir um seminário e avaliar a “Deriva Fotográfica” dos alunos do curso de Fotografia da Escola das Artes.

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