Fisco muda a forma como controla residentes não habituais com IRS especial

Trabalhadores de uma actividade de “elevado valor acrescentado” poderão ser chamados a apresentar provas depois da entrega do IRS.

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Muitos dos trabalhadores beneficiários são quadros superiores de empresas Rui Gaudêncio

Dez anos depois do nascimento do regime dos residentes não habituais (RNH), a administração fiscal decidiu alterar a forma como controla, para efeitos de IRS, quem trabalha numa profissão de “elevado valor acrescentado” (médicos, engenheiros, músicos, agricultores ou gestores de empresas, por exemplo). As alterações foram comunicadas numa circular assinada na terça-feira pela directora-geral do fisco, Helena Borges.

Nascido em 2009, o RNH é um regime fiscal desenhado para captar pensionistas estrangeiros (a troco de uma isenção de IRS durante dez anos) e incentivar a vinda para o mercado laboral português de pessoas que trabalham em determinadas áreas científicas, artísticas e técnicas (permitindo que esses trabalhadores paguem uma taxa de IRS mais baixa, de 20%, independentemente do seu nível de rendimentos do trabalho dependente ou rendimentos empresariais e profissionais).

Se, até aqui, quando estes profissionais iam às Finanças pedir para obterem este estatuto, o fisco tinha de reconhecer que os proponentes exerciam a tal actividade de elevado valor acrescentado, a partir de agora já não vai ser preciso esse reconhecimento prévio. Ele acontecerá mais tarde e, todos os anos, no momento da entrega da declaração do IRS, o contribuinte RNH tem de indicar que tipo de actividade realiza.

A partir do momento em que a pessoa se inscreve como residente não habitual, “adquire o direito a ser tributado nos termos do respectivo regime fiscal”. Por isso bastará invocar o direito ao RNH na declaração anual de rendimentos, indicando o código da actividade de elevado valor acrescentado que a pessoa exerce. No entanto, depois da entrega das declarações de IRS, o trabalhador poderá ser chamada a fazer prova de que efectivamente exerce a tal actividade. Aí, os serviços do fisco poderão pedir prova de que a pessoa cumpre esses pressupostos. E se os serviços do fisco o fizerem, os trabalhadores terão de apresentar “comprovativos do efectivo exercício dessa(s) actividade(s) e da correspondente obtenção de rendimentos, bem como dos demais pressupostos legais” (terá de ter consigo o contrato de trabalho ou de prestação de serviços, um documento comprovativo de inscrição numa Ordem Profissional se for caso disso ou a declaração de início de actividade para quem é trabalhador independente, por exemplo).

Segundo a AT, o modelo que vigorava até agora, com o “procedimento administrativo de reconhecimento prévio” no momento da aprovação do estatuto de RNH, era “excessivamente moroso” e não evitava que o fisco precisasse de se certificar que um contribuinte continuava a exercer uma daquelas actividades.

Mudanças na lista

O RNH tinha em Março perto de 30 mil beneficiários (o relatório do grupo de trabalho dos benefícios fiscais contabilizava cerca de 7000 pensionistas, embora este número se refira ao ano de 2017). O que os números anteriores mostraram é que, quando o regime tinha chegado aos 27 mil beneficiários, só pouco mais de dois mil (8%) desenvolviam uma das profissões de elevado valor acrescentado (no topo estavam quadros superiores de empresas) e que mais de 25 mil (92%) apareciam listados pelas Finanças como cidadãos “sem actividade de elevado valor acrescentado”, algo nunca clarificado pelo Ministério das Finanças.

O Governo reviu há pouco tempo a lista das profissões que permitem aderir ao regime. Os auditores, consultores fiscais, pintores, psicólogos ou arqueólogos saíram (mantêm-se os directores-gerais e gestores executivos de empresas). Em contrapartida, passam a ser elegíveis agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e produção animal, “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices, incluindo nomeadamente trabalhadores qualificados da metalurgia, da metalomecânica, da transformação de alimentos, da madeira, do vestuário, do artesanato, da impressão, do fabrico de instrumentos de precisão, joalheiros, artesãos, trabalhadores em electricidade e em electrónica”.

O regime português tem sido contestado pelos países europeus, em particular os Governos nórdicos da Finlândia e Suécia, não pelo facto de Portugal querer com este instrumento captar investimento, mas pelos problemas que dizem colocar do ponto de vista da justiça fiscal.

Uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) que expôs debilidades do fisco no controlo dos beneficiários, incluindo para evitar a existência de “falsos não residentes” (para ser beneficiário do RNH é preciso que nos cinco anos anteriores não ter sido residente fiscal em Portugal). Um problema a que o Ministério das Finanças procurou responder implementando “diversas afinações”, reforçando “os sistemas de validação automática da situação de não residência nos cinco anos anteriores à entrada no regime” – vendo se entregou declarações fiscais, se obteve rendimentos e se já era ou não titular de uma habitação que beneficiou de isenção de IMT e/ou IMI.

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