Fisco forçado a agir para evitar falsos residentes com IRS especial

Auditoria da IGF alertou para riscos. Depois de meses em silêncio, secretário de Estado deu apenas um “visto” ao relatório. Fisco vai agora mudar as rotinas de controlo do regime e quantificar a receita obtida.

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António Mendonça Mendes despachou o relatório da IGF a 6 de Dezembro de 2018 Daniel Rocha

A Autoridade Tributária e Aduaneira mudou as rotinas de controlo do regime dos residentes não-habituais (RNH) depois de uma auditoria externa detectar que a fiscalização do fisco não permitia despistar a existência de “falsos não residentes”. As vulnerabilidades foram identificados pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF) numa auditoria de 2015 cujos resultados só foram conhecidos na última semana.

Desde que o regime foi criado no final de 2009, mais de 20 mil trabalhadores e pensionistas de outros países beneficiam de um IRS especial em Portugal. Para um contribuinte gozar do estatuto de RNH tem de cumprir uma série de requisitos, desde logo não ter sido residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores. E foi logo no ponto de partida que a IGF encontrou falhas.

A síntese do relatório não diz que existiam “falsos não residentes”, antes alerta que o sistema de controlo era insuficiente para impedir tais situações, não só no acesso ao regime, como na “confirmação da residência efectiva” em Portugal durante os dez anos em que os contribuintes podem beneficiar das regras especiais no IRS.

Durante meses, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, não respondeu a um requerimento do Bloco de Esquerda para que o relatório lhe fosse enviado. Agora que a IGF publicou uma curta síntese com as conclusões, não esclareceu ao PÚBLICO se foram, ou não, detectados beneficiários que não cumpriam os requisitos e quais as eventuais consequências que daí resultaram.

O governante garante, no entanto, que o fisco já reforçou a validação automática “da situação de não residência nos cinco anos anteriores à entrada no regime” e sublinha que a autoridade tributária fez “diversas afinações” antes e depois de receber o relatório da IGF. Agora, afirma, verifica se o contribuinte “consta de alguma declaração fiscal como tendo obtido rendimentos em Portugal (em especial rendimento de trabalho dependente)” antes do pedido de adesão. E verifica se nesses cinco anos anteriores foi titular “de um imóvel para habitação que tenha beneficiado de uma isenção de IMT e/ou IMI para imóveis afectos à habitação própria e permanente”. Embora garanta que o fisco já segue estes procedimentos, Mendonça Mendes não esclareceu a partir de que momento o passou a fazer.

Avaliar a despesa

Desenhado para atrair “cérebros” e pensionistas estrangeiros, o RNH nasceu no último Governo de Sócrates e conheceu um impulso maior a partir de 2014, quando as adesões passaram da casa das centenas para os quatro dígitos por ano. Hoje, há mais de 23 mil beneficiários, com contribuintes de França, Reino Unido, Itália, Suécia, Brasil e Espanha no topo da lista.

O RNH permite a trabalhadores independentes de actividades de “elevado valor acrescentado” – como músicos, médicos, administradores, arquitectos – pagarem apenas 20% de IRS (independentemente do nível rendimento). Entre pensionistas, muitos conseguem uma isenção do IRS pelas reformas que recebem dos países de origem, como tem sido o caso de aposentados suecos e finlandeses.

O fisco não sai bem da fotografia no relatório da IGF. Depois de deixar o BE sem resposta desde Maio sobre a auditoria, Mendonça Mendes decidiu tomar uma decisão sobre o documento a 6 de Dezembro de 2018. E não o homologou — apenas o assinou com um “visto”, num sinal que pode ser visto como um distanciamento das conclusões.

Embora assim tenha decidido, Mendes garante ao PÚBLICO que o documento mereceu “a melhor atenção” e lembra que emitiu um despacho com orientações ao fisco para haver uma “avaliação mais estruturada” do regime: o fisco terá agora de quantificar a receita fiscal associada ao regime, não só o IRS pago pelos beneficiários, mas também o IMI, IMT e o IVA, “tendo em conta a facturação correspondente a estes NIFs no e-factura”.

O BE tem defendido o fim do regime e diz que a eficácia continua por provar, recordando o valor da despesa fiscal a ele associada (350 milhões de euros em 2016). Uma leitura que o Governo não acompanha. Mendonça Mendes contrapõe que a avaliação da medida não pode olhar apenas para essa “receita fiscal cessante” (que decorre do IRS mais baixo e das isenções do imposto) e vinca que deve também ser avaliada “a receita fiscal arrecadada em função da atracção destas pessoas por via deste regime, e que de outra forma não seria obtida”.

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