Alguns conselhos (talvez estúpidos) aos que chegam ao superior

Habituem-se a pensar, reflectir, ser críticos, aproveitar o tempo em que estão nas vossas instituições de ensino para efectivamente aprenderem, não apenas a “matéria”, mas também as soft skills.

Parabéns àquelas e àqueles que entraram no ensino superior universitário e politécnico! Depois das felicitações, deixem-me partilhar convosco algumas coisas que julgo poderem vir a ser úteis nos próximos anos. Se não forem, esforcei-me!

1. O choque de uma nota que se resume a um dígito e pautas que mais parecem números de telemóvel é implacável, mas deve ser levado com bonomia. Não, vocês de repente não ficaram burros/as e de melhores no secundário não passaram a seres asnáticos no superior. A exigência é, em regra, diferente, as abordagens também e – aqui é que “a porca torce o rabo” – também há professores que não aplicam a escala de 0 a 20. Os limites superiores, entenda-se! Não procurem logo explicações, mezinhas e não adianta furar os pneus do carro do/a prof. (tanto mais que, em muitas Faculdades, o parque automóvel dos alunos – dos pais deles, claro – é melhor que o dos docentes).

Vejam o vosso método de estudo, escolham (se puderem) as aulas a que devem ir e, por muito mal que isto me fique, se fosse hoje, não teria ido a metade das aulas que frequentei. Teria aprendido mais, nessas horas, a estudar sozinho ou em grupo. É óbvio que tudo depende dos cursos e as práticas, teórico-práticas ou laboratoriais são mesmo para ir, por mais maçadoras que pareçam.

2. Estão a detestar o 1.º ano? Vão mudar de curso? Calma! Todas as licenciaturas e mestrados integrados têm de começar por algum lado e, tal como um médico não aprende logo a operar um cancro, primeiro vão ter de saber o básico. E isso é muitas vezes aborrecido, tanto mais que, em regra, as preocupações com a pedagogia não são coisa muito valorizada no superior. São os malvados dos profs.? Em alguns casos sim, pois há gente que nunca devia ter começado a dar aulas, quase sempre por não ter gosto no que faz. Mas isso não é nada de novo. Muitos de vós que agora estais a começar também sereis profissionais desgraçados. Há-os em todo o lado.

O problema nodal é que a pressão para os docentes publicarem, organizarem conferências, enlearem-se em tarefas burocráticas e de gestão, preencherem formulários kafkianos, de que os da FCT são um exemplo (o dinheiro para projectos não abunda e o que há faz-nos suar muito), fazem com que uma boa parte dos Colegas ache que dar aulas é a menos importante das suas tarefas. A própria avaliação de desempenho e a (eventual) progressão na carreira incentivam isto mesmo.

3. Praxes e afins (os universitários do Sul podem passar esta parte à frente, como regra). “Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”. Eu só posso falar por mim: gostei muito da que tive, por ter sido de verdadeira integração, com algumas coisas chatas, como “estar de quatro”, mas nunca me senti ofendido na minha dignidade. E sempre me disseram que não era obrigado a lá estar. E ninguém é. Os verdadeiros crimes cometidos a coberto da “praxe” não são praxe nenhuma e devem ser denunciados e tratados como tal. Há maçãs podres em todo o lado.

As Associações de Estudantes cada vez mais organizam programas alternativos e, na verdade, mais ou menos integração vai da personalidade e do desejo de cada um/a de vós. O que posso dizer é que foram dos melhores anos da minha vida. Já sei que estão fartinhos de ouvir isto. Mas essa fase da vida ajuda a construir amizades que ficam, sendo certo que também depois de acabar o curso se é muito feliz (mau seria…). As lágrimas do adeus existem, mas o melhor vem sempre amanhã!

4. Habituem-se a pensar, reflectir, ser críticos, aproveitar o tempo em que estão nas vossas instituições de ensino para efectivamente aprenderem, não apenas a “matéria”, mas as ditas soft skills. Sei bem que o mais imediato é estudar para o que sai no exame e informamo-nos disto com colegas mais velhos (é verdade, não espetem critérios de correcção de anos anteriores nos exames: os profs. não são assim tão parvos ou pouco imaginativos…). Depois, despeja-se e já está! Nada disso.

Só compreendendo verdadeiramente se aprende e, acreditem, o que não aprenderem no superior vão ter de saber nos trabalhos – se seguirem a área e, claro, estou a falar do filet mignon de cada curso (com o bolonhês, que abomino, as disciplinas ou cadeiras passaram a “unidades curriculares” e vocês não se podem designar por “alunos”, mas por “estudantes”…).

Interiorizar os grandes quadros de pensamento de cada curso e o modo de raciocínio: eis o que fica. Claro que há sempre alguns colegas professores que gostam apenas que se escreva aquilo que eles/elas defendem, no que é a maior contradição com a profissão de docente. Aí, meus caros, dêem à pessoa o que ele/ela pretende, mas saibam que há mais mundo para além de alguns egos muito inflamados.

Metam-se nos grupos académicos, do tipo que mais gostarem, façam programas de mobilidade, voluntariado, pois as tais soft skills não se aprendem nos bancos das Faculdades e elas serão muito relevantes numa futura entrevista de emprego. Não sejam daqueles/as estudantes que só sabem da “matéria”. Sei que a frase é estafada, mas nunca me canso dela: o grande Abel Salazar asseverava que “quem só sabe de Medicina, nem de Medicina sabe”. Substituam “Medicina” pelo vosso curso e está tudo dito. Gente interessante e interessada, ok?

E fico por aqui. No vosso mundo, que é também o meu (mas eu formei-me em 2000), não há paciência para ler coisas longas. Basta ver a migração do “Face” para o “Insta”. Se chegaram até aqui, outros parabéns pela paciência e porque, afinal, os quadros do futuro conseguem aguentar alguns parágrafos, mesmo que desconchavados. 

Sejam felizes e aproveitem a vida universitária para aprenderem e serem pessoas cada vez mais interessantes e interessadas! Bom ano lectivo!

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