Rui Rio e o fastio de representar a nação

Olhar a Assembleia como um mero trampolim para chegar a São Bento é passar-lhe um atestado de decrepitude e inutilidade. Que esse atestado venha do principal partido da oposição é uma lástima para a democracia.

“Não tenho um particular entusiasmo em ser deputado, não tenho.” Se o autor deste estado de alma fosse um comerciante, um agricultor, um médico ou um barbeiro hesitante sobre a possibilidade de seguir uma carreira política, ninguém se surpreenderia. Mas, não. A frase foi proferida pelo líder do PSD, que se candidata ao cargo de deputado pelo círculo do Porto. Haverá quem veja no seu teor mais uma manifestação da proverbial disponibilidade de Rui Rio para dizer o que pensa. Haverá também quem lhe aprecie a sinceridade por admitir que nada mais lhe interessa na política senão o cargo de primeiro-ministro. Registe-se a condescendência, mas não se perca a questão essencial: Rui Rio revelou, na sua opinião, um desprezo deplorável pelo Parlamento e pelo papel e condição dos representantes eleitos pela nação.

No mundo normal da democracia, a função dos deputados é absolutamente crucial. São eles quem representa a soberania popular. São eles quem aprova, fiscaliza e eventualmente derruba o Governo. É no Parlamento que se discutem, apreciam e legislam muitas das grandes questões que afectam o país e os portugueses. Ao exibir assim tanto desdém por esse papel crucial no regime democrático, Rui Rio manifesta um juízo de escasso valor sobre a própria democracia. E mostra ainda uma contradição no seu próprio percurso político: o homem que sempre recusou abandonar a Câmara do Porto para manter um honroso compromisso com os cidadãos que o elegeram dispõe-se agora a pedir os votos dos cidadãos para uma função que encara sem “entusiasmo”.

Rui Rio tem razão ao diagnosticar uma degradação contínua na qualidade do Parlamento. “Fui deputado dez anos, numa altura em que o Parlamento tinha um nível qualitativo inferior ao que tinha tido antes, mas muito superior àquilo que tem hoje”, disse (na mesma entrevista à Agência Lusa). Não é necessário um grande exercício de memória ou reflexão para perceber que Rui Rio está certo. O populismo do discurso contra os políticos minou o prestígio dos deputados. O carreirismo criou uma nuvem de protegidos sem ligação ao mundo real. Casos como o dos deputados faltosos, protagonizados na bancada do PSD, comprometem ainda mais essa missão crucial que é a defesa do Parlamento.

Em vez de se empenhar na nessa missão, Rui Rio acaba por deixar no ar uma sensação de renúncia. Olhar a Assembleia como um mero trampolim para chegar a São Bento é passar-lhe um atestado de decrepitude e inutilidade. Que esse atestado venha do principal partido da oposição, é uma lástima para a democracia. 

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