Que “tipo” de pelouro na Comissão pode interessar a Portugal?

A ideia apregoada por António Costa de que ao comissário português deve ser atribuída uma pasta que seja determinante para Portugal é errada.

1. A distribuição das pastas pelos 26 comissários é hoje anunciada pela Presidente da Comissão Europeia. No momento em que lê estas linhas, já deve conhecer essa distribuição; no momento em que as escrevo, correm apenas boatos e listas de distribuição prováveis.

2. A ideia, apregoada por António Costa, de que ao comissário português deve ser e será atribuída uma pasta que seja determinante para Portugal é errada. Por um lado, por uma razão institucional. Os comissários não representam nem podem representar o país de que são provenientes; representam o interesse europeu, o interesse geral e só a esse podem estar vinculados. Por outro lado, e não menos importante, por uma razão política. Se o comissário de uma certa nacionalidade tem a seu cargo uma pasta em que o seu país tem um interesse directo, as suas capacidades de actuação e margem de manobra ficam largamente afectadas. Enquanto comissário responsável, ele terá de arbitrar, de conciliar, de promover consensos; estará demasiado exposto para poder promover alguma “agenda” nacional. 

3. Tomemos um exemplo, por sinal, o mais significativo. Há já vários meses, o Primeiro-Ministro sinalizou que uma das pastas preferidas por Portugal seria a pasta dos “fundos estruturais” (actualmente, denominada “política regional”). Portugal é um receptor histórico de fundos europeus, tem aqui um interesse directo e forte e, por isso, o pelouro dos “fundos” seria prioritário e estratégico. A meu ver, e já o disse publicamente várias vezes, trata-se de uma perspectiva basicamente errada.

Na verdade, o comissário que seja responsável pelos fundos estruturais terá de adoptar uma posição neutral, basicamente de arbitragem e negociação. Não poderá puxar pela agenda do seu país de origem; bem ao contrário. Dado que, em matéria de fundos europeus, temos um largo e complexo caderno reivindicativo, não se vislumbra nem vê qual possa ser a vantagem de Portugal ser posto no lugar de quem tem de arbitrar, de fazer concessões, de dar o exemplo, de esconjurar todas as leituras de um favorecimento ou de um conflito de interesses. Creio que será muito melhor ficarmos de fora, na posição de quem faz valer a sua visão alternativa e apresenta as exigências correspondentes.

4. Acresce que, neste momento, já existe uma proposta da Comissão para as perspectivas financeiras; proposta que, como se sabe, em matéria de fundos, é francamente negativa para Portugal (mas não para a Itália ou a Espanha). Se a nova comissária portuguesa ficar com este pelouro, terá de defender a proposta da Comissão? E mesmo que haja algumas mudanças nesta proposta, se ela ainda for muito prejudicial a Portugal, que dirá o Governo português de uma proposta que tem o rosto da comissária portuguesa? Fazer estas perguntas é suficiente para perceber como “receber” uma pasta em que temos um interesse forte e imediato pode afinal revelar-se um presente envenenado.

5. Diga-se ainda que a relevância deste pelouro de fundos estruturais – se isoladamente considerado – é menor do que parece. O verdadeiro poder em jogo é o de definir os montantes globais, estabelecer os diferentes pacotes em função das matérias e determinar a distribuição por países. Ou seja, o poder reside na definição das perspectivas financeiras a 7 anos. Esse poder não cabe ao comissário que tem este encargo. Cabe, em sede de proposta, à Comissão como um todo, com grande destaque para o seu Presidente e o comissário do orçamento. E cabe, isso sim, essencialmente, ao Conselho Europeu e, em muito menor medida, ao Parlamento Europeu.

O responsável pela pasta dos fundos aparece essencialmente como o administrador e executante do quadro estratégico previamente definido. Ele terá decerto um papel relevante, mas será sempre depois das grandes decisões. É, por isso, ilusório o poder de fogo e de magia do “comissário dos fundos europeus”. A ideia de que Portugal deterá o pelouro dos fundos passa uma mensagem fácil e atractiva, muito adequada a grandes doses de demagogia e propaganda. Mas, em rigor, e como acaba de ver-se, trata-se de um poder bem menos apelativo e interessante do que pode supor-se e, no caso português, por causa do nosso envolvimento directo, eventualmente problemático e contraproducente.

6. Claro que tudo depende de saber como é concretamente definida a paleta de competências e responsabilidades que são assacados ao comissário luso. Importa sublinhar que a relevância de um pelouro não está, nem de perto nem de longe, ligada às matérias que suscitam maior empenhamento nacional. Dou sempre o exemplo de António Vitorino, que foi comissário da justiça e assuntos internos. Era, sem dúvida uma pasta importante, mas que nada tinha que ver com os tais interesses especificamente portugueses. E, no entanto, o comissário português foi relevantíssimo, com enorme capacidade de influência.

Pela importância da pasta, mas muito pela sua competência e pelo seu desempenho. Com esse capital e com esse prestígio, então sim, tinha uma grande capacidade de sensibilizar os colegas comissários, em cada um dos seus pelouros, para a perspectiva portuguesa, para os interesses específicos de Portugal. Eis como se demonstra que esta propaganda de que temos de ter uma pasta determinante para Portugal não passa de ilusão e demagogia. Decisivo é ter um pelouro relevante e exercê-lo de tal maneira que se ganhe “ascendente” e “influência” sobre os pares.

7. É, por tudo isto, que sempre defendi que a nova comissária – capaz, experiente e com rede europeia – terá tudo a ganhar em ter um pelouro forte em que possa actuar com toda a liberdade. E, olhando também para o seu trajecto, não vejo melhor que uma pasta ambiental ou climática, que é um tópico absolutamente prioritário na agenda europeia e global. Com um grande desempenho numa área desse tipo, pode fazer mais pela Europa (e, claro, indirectamente por Portugal) do que com uma pasta “provincianamente” bem vista no jardim à beira mar plantado.

SIM. Ursula von der Leyen. O cumprimento do compromisso da paridade e o número recorde de mulheres na Comissão Europeia representam um enorme avanço e um começo auspicioso para a Presidente.

NÃO. Segurança rodoviária. Outra vez: a notícia de que dispararam as mortes por acidente nos 30 dias seguintes à ocorrência mostra bem como o Governo tem negligenciado a segurança na estrada.

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