Conte quer um governo de “esperança” e não do “contra”

O primeiro-ministro demissionário foi convidado pelo Presidente italiano, Sergio Mattarella, a formar executivo. Matteo Renzi, que controla a maioria da bancada parlamentar do Partido Democrático, tem o futuro Governo nas mãos.

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Conte disse que é tempo de Itália mudar a página com um Governo de "esperança" e não do "contra" Reuters/CIRO DE LUCA

É tempo de um governo com um “novo humanismo” e que “melhore o país”, um que seja de “esperança” e não do “contra”. Foi a garantia dada pelo primeiro-ministro demissionário, Giuseppe Conte, depois de ser convidado pelo Presidente italiano, Sergio Mattarella, a formar um novo executivo. Agora, o Partido Democrático e o Movimento 5 Estrelas vão continuar a negociar para escolher ministros e discutir políticas. 

Ao sair do Palácio de Quirinal, residência oficial do chefe de Estado italiano, Conte foi bem claro quanto ao que queria do próximo executivo. “Esta será uma nova época, de tempo para recuperar. Não será um governo do ‘contra’, mas um governo para os cidadãos e para modernizar o país”, disse. Um governo, continuou, em que a defesa do meio ambiente, do trabalho, da igualdade, do respeito pelas instituições e dos interesses nacionais será a sua marca, rompendo com a anterior equipa de coligação entre a Liga, de extrema-direita, e o M5E.

As negociações dos últimos dias entre as duas formações políticas foram marcadas pela composição do Governo e pouco pelo programa político. O presidente do PD, Nicola Zingaretti, quer as pastas do Interior, da Economia e dos Negócios Estrangeiros e apenas um vice-primeiro-ministro, nomeado pela sua direcção, e não dois, como aconteceu no anterior executivo – diz que foi uma das causas para o falhanço do Governo em que Matteo Salvini, líder da Liga, teve assento como ministro do Interior e vice-primeiro-ministro.

Mas Di Maio (era o outro vice-primeiro-ministro), que fincou o pé para Conte chefiar o futuro executivo, quer uma estrutura igual à anterior e o debate tem girado muito sobre que cargo, se algum, deve assumir. Além disso, o líder do M5E vai dar aos seus militantes a última palavra sobre as negociações, através de um referendo, o que representará um “grande problema, se os activistas votarem contra”, explicou um dirigente da formação anti-sistema ao Politico.

A pouca cola que os une

O debate sobre o programa político tem sido quase inexistente nas negociações e a coligação não é mais do que uma derradeira tentativa para evitar eleições antecipadas que, dizem as sondagens, dariam a maioria a Salvini. “Até há duas semanas, os dois partidos divergiam completamente, mas, como disse Di Maio, o M5E é um partido pós-ideológico. É muito aberto a coligações que o possam levar a governar, seja por mais de um ano com a extrema-direita, seja com um partido de centro-esquerda”, explicou ao PÚBLICO Gofredo Adinolfi, politólogo do ISCTE-IUL.

A até há bem pouco tempo improvável coligação e a disputa de lugares são o centro das críticas de Salvini, que deu azo a uma crise política para beneficiar nas urnas das intenções de votos expressas em sondagens. “Um governo baseado em cargos e ódio não tem vida longa. Para eles, primeiro são as poltronas, para nós é, agora e sempre, ‘Primeiro Itália'”, escreveu o líder da Liga no Facebook, anunciando um dia de mobilização contra o futuro executivo para dia 19 de Outubro, nas ruas de Roma.

A pouca cola que une PD e M5E para formar um executivo que desejam manter nos próximos três anos foi suficiente para que acordassem pedir à União Europeia mais flexibilidade na apreciação do Orçamento de 2020 relativamente ao défice, para se “reforçar a coesão social”, escreveu a Reuters. 

“O 5 Estrelas apresentou-se nas eleições de 2018 com posições claramente antieuropeias e depois, quando passou para o Governo, assumiu posições mais ortodoxas, a favor da União Europeia”, explicou ao PÚBLICO Marco Lisi, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, sublinhando que acabou mesmo por “aprovar a nova presidente da Comissão Europeia [Ursula von der Leyen] em divergência com a Liga”. “Se esta convergência se mantiver, haverá convergência com o PD, que sempre mostrou responsabilidade face aos compromissos europeus.”

Caso o pedido seja aceite, a posição de Bruxelas contrastará com a relação tensa que teve com o anterior Governo, muito pelas posições de Salvini, que responsabilizava as regras europeias pelo empobrecimento dos italianos e questionou os limites ao défice. Além disso, o Financial Times avançou que Bruxelas pondera reescrever as regras relativas à redução do défice e da dívida soberana do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O Orçamento do Estado para 2020 tem de ser apresentado em meados de Outubro no Parlamento italiano e à Comissão Europeia. Há que tapar um buraco de 23 mil milhões de euros; caso contrário, o IVA subirá automaticamente para os 25%, levando ao encerramento de muitas empresas e ao aumento do desemprego. “Precisamos de começar a trabalhar de imediato num orçamento que evite a subida do IVA”, alertou Conte, numa mensagem clara às lideranças políticas que garantiram apoiar o novo executivo.

“Partido das facas longas”

Esses esforços não estão imunes a riscos provenientes de dentro das duas forças políticas. Di Maio está desgastado e há uma facção dentro do seu partido muito mais próxima da Liga do que do PD. E Zingaretti vê-se confrontado com o controlo do grupo parlamentar pelo antigo primeiro-ministro e hoje senador Matteo Renzi. “Há duas componentes incompatíveis dentro do PD. Uma mais centrista liderada por Renzi e outra mais de esquerda que representa a actual posição do partido”, explicou Lisi. E prosseguiu: “Renzi tem a capacidade de em qualquer momento que achar oportuno fazer cair o Governo.”

Semelhante cenário é considerado “assustador” por Adinolfi  por o PD ser um “partido de facas longas” em que as disputas internas sempre marcaram a sua política. A rivalidade entre Zingaretti e Renzi pode mesmo, em última instância, levar Salvini ao poder ao dar origem à queda do Governo e a eleições antecipadas. Ao ficar na oposição, o líder de extrema-direita apenas precisa de esperar que o executivo aplique medidas económicas impopulares ou se mostre instável, capitalizando o descontentamento.

Por agora, e escolhido o Governo, Conte terá de o submeter a um voto de confiança no Senado. PD e M5E não detêm a maioria na câmara alta e precisam dos votos do Livres e Iguais, de esquerda, e de senadores independentes. A rejeição a Salvini pode ser cola suficiente para unir uma maioria, mesmo que em tudo o resto não se entenda. O inimigo do meu inimigo meu aliado é.

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