Morreu David Berman, o criador dos Silver Jews

Figura de culto da canção americana, a par de companheiros de geração como Will Oldham ou Bill Callahan, regressara em Julho aos discos sob novo nome (Purple Moutains) e depois de dez anos de ausência. A morte aos 52 anos surge a dias do início de uma das suas raras digressões.

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Davi Berman regressara aos discos este ano com a edição em Julho de Purple Mountains Bobbi Fabian

Perguntaram-lhe como queria que a sua nova música fosse recebida. Ele que tinha posto fim aos Silver Jews há dez anos, que regressara inesperadamente sob novo nome, Purple Mountains, respondeu da seguinte forma, numa entrevista à Poetry Foundation: “Antes que possa imaginar qualquer outro tipo de esperança, tenho que desejar que a música não incomode ou enoje pessoas que estejam no raio de audição quando ela é tocada.” É uma resposta típica de David Berman, mestre da auto depreciação por inevitabilidade da sua composição química e da vida que viveu, homem que, ao lado de Will Oldham ou Bill Callahan, deu sopro literário e cobriu de sombras a música independente desde que se fez anunciar com os Silver Jews na década de 1990.

Berman morreu esta quarta-feira, aos 52 anos, confirmou a editora Drag City (a causa não foi avançada pela editora, mas o New York Times revela este sábado que o músico se terá enforcado num apartamento em Brooklyn, Nova Iorque). A morte chegou num momento de renascimento. Depois de dez anos afastado da música, ressurgiu enquanto Purple Moutains. Um álbum homónimo foi lançado no mês passado, gravado com membros dos Woods, e Berman, tradicionalmente avesso a enfrentar o público em concerto, preparava-se para iniciar este fim-de-semana uma digressão americana de seis semanas. Levaria ao seu público as canções de um álbum nascido da dor causada pela morte da mãe e pelo divórcio de Cassie Berman, com quem foi casado 20 anos e que fora também música nos Silver Jews. All my happiness is gone foi o single de apresentação de um disco que se despedia com Maybe I’m the only one for me.

Veículo para as canções e, principalmente, para as letras de David Berman, os Silver Jews nasceram em Hoboken, New Jersey, da reunião de três antigos colegas da Universidade da Virginia, o próprio Berman, Stephen Malkmus e Bob Nastanovich. Nasceram enquanto os dois últimos criavam paralelamente os Pavement, banda fulcral do rock independente da década de 1990. Ao contrário deles, os Silver Jews seriam sempre ao longo da sua carreira uma banda de culto, seguida fervorosamente por um público que sorvia com devoção aquele country rock confessional danificado e as narrativas onde dor e desencanto, depressão e desespero eram matizadas com humor e um olhar clínico perante a natureza humana – o poeta da canção era também poeta em página (Actual Air, o seu primeiro livro de poesia, foi publicado em 1999 e este ano foi alvo de nova edição, numa versão aumentada; em 2004 publicara também The Portable February, ilustrado pelo próprio).

"A depressão é atroz... Ele era único, as canções que compôs eram a sua principal paixão, especialmente no fim. Espero que a morte signifique paz, porque ele precisava mesmo dela”, escreveu Stephen Malkmus na sua conta de Twitter, em reacção à notícia da morte de Berman. Bob Nastanovich, por sua vez, deu conta da sua admiração pelo músico “enquanto pessoa, humorista e escritor”, acrescentado: “Foi tão enriquecedor ter desde tão jovem um amigo tão talentoso e perceber que o talento nem sempre é uma benção.” Entre os muitos músicos que neste momento lhe prestam homenagem encontram-se Aaron Dessner, dos The National, que se refere a Berman como “um talento monstruoso e uma grande influência”, ou os Mountain Goats de John Darnielle. Lemos na conta de twitter da banda: “Podia ficar aqui o dia todo a citar versos memoráveis de David Berman sem me cansar. Ele não tinha competição. Ele era a competição.”

O primeiro álbum, Starlite Walker, chegou em 1994, ainda com a companhia da dupla Malkmus e Nastanovich. Daí até 2008, os Silver Jews editariam The Natural Bridge (1996), American Water (1998), considerado o melhor álbum da banda, que parceria iluminado entre a voz de Berman e a guitarra de Malkmus, Bright Flight (2001), Tanglewood Numbers (2005) e Lookout Mountain, Lookout Sea (2008). Ao longo deste percurso, Berman contrariou sempre as regras oficiais para uma carreira de sucesso – esteve 16 anos sem dar uma digressão e mantinha-se em reclusão, avesso à exposição mediática – e sofreu uma crescente dependência de substâncias tóxicas que, em 2003, quase lhe custava a vida. Foi o próprio a contar numa entrevista, dois anos depois, a sua tentativa de suicídio num hotel de Nashville.

Quando anunciou o fim dos Silver Jews, em 2009, justificou-o com um sentimento de culpa. Numa longa carta, revelava que o pai, o advogado Richard Berman, republicano, trabalhava em Washington a favor de lobbies antiambientalistas e da indústria do armamento e que dado que a sua música era incapaz de travar a maldade que o pai e pessoas como ele traziam ao mundo, seria inútil continuar. Dez anos depois, estava de regresso, sob novo nome, dilacerado por novas dores, mas empenhado num novo início. Os dois primeiros concertos da nova digressão estavam marcados para este sábado e domingo. Teriam lugar em New Jersey, o sítio onde tudo começou. 

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