Os Pavement já foram, Stephen Malkmus continua por cá

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Leah Nash

Com "Wig Out at Jagbags" Stephen Malkmus tem agora mais álbuns em nome próprio que os assinados com os Pavement. O passado está lá atrás e ele espanta-se por ainda nos preocuparmos tanto com ele

Não é bem um incómodo, não é certamente uma irritação, mas Stephen Malkmus acha alguma piada à situação. Malkmus, o vocalista, guitarrista e compositor de uma das bandas charneira da década de 1990, os Pavement, deliciosa enciclopédia rock completamente desvairada e fora dos eixos, acaba de editar Wig Out at the Jagbags, álbum que assinala um momento simbolicamente importante: a partir de agora, a sua discografia contabilizará mais discos gravados com os The Jicks, a banda que o acompanha desde 2000, que com os criadores de Crooked Rain e Terror Twilight.

O seu percurso pós-Pavement até tem sido celebrado, porém, vive na sombra do que o antecedeu. E isso, que aos nossos olhos é nada mais que natural, é uma surpresa para Malkmus. “Ainda hoje as pessoas escrevem na internet artigos extensos sobre como foi gravado o Crooked Rain”, diz desde Portland, a cidade a que regressou. “Neste site chamado Consequence of Sound”, prossegue para acentuar o espanto, “escreveram um longo artigo, um artigo de dimensão Moby Dickseana sobre os 15 anos, ou os 20 anos, já não me lembro, que passaram sobre a edição de um álbum nosso qualquer”.

Meta-nostalgia

Stephen Malkmus, conhecedor das estradas principais e dos atalhos do rock’n’roll dos últimos 40 anos, portanto perfeitamente consciente das mecânicas da mitologia pop, surpreende-se com a atenção que é dada à banda que fundou em 1989 mas tem consciência que nada poderá contra o seu passado. “Essas canções [as dos Pavement], que podem ser melhores ou piores, são vendidas às pessoas e atingem-nas como mais profundas que aquelas que faço agora”.

Malkmus, que nos dirá, perante a evidência de canções como Lariat, uma das novas de Wig Out At Jagbags, bem-humorada viagem pela juventude da sua geração (“we grew up in the best decade ever”, canta, e está a falar dos anos 1980), que a sua nostalgia é uma “meta-nostalgia” (“usar o passado para andar em frente em vez de o remoer”), tem uma ténue esperança no que o futuro pode fazer por si: “por vezes, as canções mais tardias acabam por ser reconhecidas como especiais”. Mas é ténue essa esperança. “Não se consegue ultrapassar a consciência de que aquele momento, os teus tais 15 minutos, dificilmente acontecerão novamente”. 

Entre a edição de Mirror Traffic, em 2011, e de Wig Out at Jagbags, Stephen Malkmus viveu dois anos em Berlim. Levou-o até lá a mulher, a artista plástica Jessica Jackson Hutchins, que via na cidade alemã, na sua comunidade artística e nas suas rendas baixas, um local com “boas oportunidades” para desenvolver o seu trabalho. Chegaram numa altura em que a Berlim começava o seu processo de gentrificação e perdia um pouco do seu “dinamismo”. Nada de preocupante: “Tenho crianças [duas filhas], portanto por mim tudo bem. Não preciso de assim tanto dinamismo”.

Durante a estadia, dedicou-se a conhecer a cena musical e a vida nocturna da cidade (“muito centrada na cultura DJ, naturalmente”). Leu todos os escritores alemães a que conseguiu deitar mão, investigou a fundo todas as camadas históricas da cidade. “Era tudo novo para nós e, num certo sentido, fomos quase turistas”.

Claro que se lembrava que aquela era a cidade onde “David Bowie, Iggy Pop e todos os outros” tinham ganho novo fôlego criativo. Mas não há nada de berlinense emWig Out at Jagbags. Malkmus tem uma linguagem musical definida e não procura grandes transformações estéticas. “A abordagem [musical] é a mesma. Toco com as mesmas pessoas [os The Jicks] já há algum tempo e componho para eles, para esta ideia de banda”. Não foi Beck, produtor do álbum anterior, a alterar a natureza das coisas. Não o foi igualmente Berlim. “Tento gravar em sítios diferentes com pessoas diferentes com a esperança de encontrar um ambiente sónico diferente. Se não o fizesse, os discos seriam ainda mais parecidos”. Dito isto, faz uma pausa. Não vale a pena elaborar muito. “Fazemos este tipo de música e quem quiser juntar-se é bem-vindo. Não estou a tentar mudar a natureza do meu restaurante e oferecer ao cliente novos paladares para conseguir sobreviver. É um restaurante confortável para quem se der ao trabalho de o visitar”.

Dois anos depois de chegar a Berlim, Malkmus e a mulher regressaram aos EUA. Cansaram-se de ser turistas. “Tínhamos muitos amigos e a família longe... Foi uma combinação disso com a escola das miúdas e com a prisão capitalista que construímos para nós próprios: tinha aqui todos os meus discos, todos os meus livros”. Wig Out At Jagbags foi concluído já nos EUA. É, e dizemo-lo enquanto elogio, simplesmente mais um disco de Stephen Malkmus. “Não tenho medo de mostrar onde estou a ir buscar inspiração, mas se lhe inculcar a minha personalidade e a minha paixão, vai transparecer que a música não é de ninguém que não eu próprio. Claro que qualquer um pode dizer exactamente o mesmo e, ainda assim, soar a uma versão merdosa do Neil Young. Mas depois de tanto tempo, parece-me que esse não é o meu caso”.

A conversa avançará e chegaremos então aos Pavement e à surpresa de Malkmus perante a importância dada ao legado da sua antiga banda. Dizemos-lhe que ainda pode aspirar a, salvaguardadas as devidas distâncias, ocupar um lugar semelhante ao de Lou Reed, que foi membro de uma das bandas mais importantes da História, os Velvet Underground, e, sem que tal fosse esquecido por um segundo que fosse, conseguiu ser também reconhecido enquanto criador em nome próprio. Stephen Malkmus responde em modo “deadpan”. “Fez um bom trabalho, ele. Esteve numa das bandas mais cool de sempre e depois fez álbuns a solo incríveis”. Pausa. “E agora está morto”. Stephen Malkmus diz isto e ri-se porque sabe que Lou Reed também se riria.

Nunca esqueceremos os Pavement, mas Stephen Malkmus está bem vivo.

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