Tanglewood Numbers

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Todos os álbuns dos Jews, desde o segundo ("The Natural Bridge", 1996), começavam com uma intimação de demónios, praticamente voz e guitarra, que marcava tematicamente o disco. Se os discos anteriores eram "satélites em queda" (Berman), em "Tanglewood Numbers" não é assim: é denso, aposta na melodia, em barreiras de som nas guitarras, arranjos de violino, banjo, órgãos vários – às vezes na mesma canção. Isto funciona como sinal: o que está em causa é catarse. E é por isso que o disco soa a celebração, e é excessivo. Desta vez, porém, não há máscara: há afirmação, romantismo ou confessionalismo – e não soa a Silver Jews (Nunca soou, aliás). "How can I love you, if you won't lie down?", canta-se, por cima de um "backbeat" e com uma linha de guitarra saída de um single das Crystals e um banjo. "Sometimes a pony gets depressed" é barreira de guitarras com arranjos decadentes de cordas e lembra Lou Reed de "Berlin" (single perfeito), "K-hole" vem com arranjo de guitarra dissonante e veias abertas na violência do violino. "Animal Shapes" vai ao "cajun", há coros "doo-wop" a repicar sobre arranjos de sinos em "Getting back into getting back into you" – canção em que Berman define a sua vida como "Christmas in a submarine". "Sleeping is the only love" bebe no "surf-rock" e peja-o de luxúrias e frases que merecem ser emolduradas (decorem esta, miudagem: "You might as well say fuck me/ 'cause I'll keep on loving you"). E depois há o disparo em fúria de "Punks in the beerlight", com o refrão a ser cantado aos berros, num coro comovedor partilhado com Cassie. E o fim, o extraordinário fim: Berman disse uma vez que as suas melhores canções são sombras que durarão até à eternidade. Pelo menos duas sim. "I remember me", e esta: dedilhado de guitarra em pura angústia (canta-se "There's a place past the blues/ I never wanna see again"), deambulação psicadélica (guitarras, órgãos, slide), e de repente, sem que nada o fizesse esperar, batida marcial à Velvet, malha de guitarra cada vez mais rápida e, em pleno registo hardcore, bala disparada a uma velocidade imensa: "I saw God's shadow on this world I could not love the world entirely I took a hammer on it all I saw God's shadow on this world". Não é uma obra de arte: do "surf-rock" ao "hardcore", passando pelo "cajun" e pela pop, é o disco mais denso, orquestrado e acabado dos Silver Jews. Não parece um satélite fora de órbita. Parece uma galáxia. Disco mais belo e comovente que ouvimos em quatro anos. Desde "Bright Flight", de uns tais Silver Jews.

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