Bolsonaro sacrificou a “nova política” no altar da Previdência

Governo libertou 700 milhões de euros para deputados aprovarem a reforma do sistema de pensões. Líder da Câmara dos Deputados diz que vitória não é do Presidente.

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Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, diz que a aprovação da reforma da Previdência não se deve ao Governo ADRIANO MACHADO / Reuters

A Câmara dos Deputados do Brasil está muito perto de dar luz verde à mais importante iniciativa legislativa do Governo de Jair Bolsonaro, a reforma do sistema de pensões, conhecido como Previdência Social. Foi o primeiro teste à medida que está no centro de um embate institucional entre o Palácio do Planalto e o Congresso, e que pode definir as condições de governabilidade para o resto do mandato. Para o conseguir, Bolsonaro viu-se obrigado a trocar apoio por fundos públicos, contrariando uma das bandeiras mais importantes da sua campanha.

A votação no plenário da Câmara dos Deputados está marcada para a tarde desta quarta-feira (início da noite em Portugal continental), mas as indicações eram positivas. Na véspera, uma maioria bastante superior ao limiar mínimo de 308 deputados necessários para a aprovação da reforma chumbou um requerimento da oposição para adiar a votação, mostrando existir uma ampla disposição para fazer avançar o processo.

Faltam ainda vários passos até que a reforma seja promulgada em definitivo. Até sexta-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, prevê que a proposta seja debatida e aprovada na segunda leitura pela câmara baixa. Depois, será a vez da aprovação pelo Senado, que, no entanto, poderá fazer alterações – o que obriga a novos debates na Câmara.

A aprovação de uma reforma das pensões é defendida unanimemente por políticos, economistas e empresários, e é a prioridade legislativa do Governo. Como implica uma emenda constitucional, a sua tramitação depende de um longo processo legislativo, incluindo amplas maiorias nas duas câmaras do Congresso, e, por isso, foi encarada como um teste crucial para a capacidade de articulação política do próprio Governo. O anterior Presidente, Michel Temer, não conseguiu fazer avançar a sua reforma da Previdência, por exemplo.

A principal mudança no regime de pensões será a aplicação de uma idade de reforma mínima para homens (65 anos, com pelo menos 20 anos de contribuições) e para mulheres (62 anos, com 15 anos de contribuições).

“Acabou o amor”

O debate sobre a reforma pôs a nu a incapacidade do Governo em conseguir coordenar a sua proposta com o Congresso. Sobre a discussão pesou sempre a sombra do confronto entre a chamada “velha política”, baseada na troca de favores e com a qual Bolsonaro e os seus apoiantes prometeram acabar, e uma “nova política”, que o Governo iria privilegiar, mas que nunca definiu.

O processo foi pontuado por um clima de tensão constante entre o Executivo e o Congresso e contribuiu para o desgaste acentuado de Bolsonaro, cujos níveis de popularidade estão em mínimos históricos para um Presidente em início de mandato. Na quarta-feira, Rodrigo Maia não deixou passar em branco o embate institucional. “A construção da vitória, se acontecer, será uma construção do Parlamento, e não do Governo. O Governo ajudou, mas, em alguns momentos, atrapalhou”, afirmou.

Para assegurar uma votação favorável, o Governo acelerou a aprovação de emendas orçamentais de 20 milhões de reais (4,7 milhões de euros) para cada deputado que vote a favor da reforma, o que pode totalizar três mil milhões de reais (700 milhões de euros). Na prática, trata-se do desbloqueamento de verbas federais que são canalizadas para os círculos eleitorais de cada deputado para áreas específicas, neste caso para investimentos em saúde, e cuja data do pagamento é determinada pelo Governo.

No entanto, no passado, acções semelhantes foram descritas como mecanismos de compra de apoio político, ou seja, práticas próprias da “velha política” que Bolsonaro tinha prometido erradicar. O Presidente veio a público justificar a decisão, dizendo estar apenas a “cumprir a lei e nada mais”.

A aprovação da reforma da Previdência deveria servir como um balão de oxigénio para o Governo, mas a postura de Maia mostra que os custos políticos para novas iniciativas legislativas dispararam. E, pelo meio, o processo pode até ter deixado mais vazia a base de apoio popular de Bolsonaro, como é o caso das forças de segurança que queriam um regime de pensões mais suave, à semelhança do que foi feito para os militares. Na semana passada, um grupo de polícias organizou uma manifestação em Brasília, lançando gritos de “acabou o amor, Bolsonaro traidor”.

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