Pedagogia política sobre o Conselho Europeu

O Conselho é uma instituição europeia de pleno direito, tão europeia e tão necessária como as restantes.

1. Julgo que não é difícil compreender porque é que a solução de Osaka, com aquela concreta repartição de postos das instituições liderantes da União Europeia, suscitou tantas resistências e reservas. Primeiro, por uma razão de método. Ela apareceu como uma “imposição” da entente franco-alemã, ainda por cima subscrita pela Holanda e pela Espanha (mais dois países da “região” ocidental). Não houve auscultações prévias nem negociações fora do perímetro dos proponentes. Segundo, porque ela mostrava um total desprezo pelo equilíbrio geográfico, deixando a Comissão e o Conselho nas mãos do Benelux, o Parlamento para a Alemanha e quiçá o Banco Central para a França. Seria um regresso ao ninho dos fundadores. Terceiro, porque não tinha em adequada conta os resultados eleitorais, prejudicando claramente o PPE. Quarto, porque, ainda que por razões realmente erradas, era percepcionada como uma provocação aos quatros países de Visegrado. Veremos, talvez ainda hoje, o que restou da lista de Osaka ou até se, por alguma arte mágica, ela consegue sobreviver. Vale a pena, porém, a propósito da escolha e nomeação do presidente da Comissão e da “distribuição” de outros postos-chave, olhar para uma crítica estrutural que é feita ao órgão que está sob o foco e o fogo político: o Conselho Europeu.

2. Não falta por aí quem, por ignorância, voluntarismo e um serôdio complexo de superioridade, considere que a intervenção do Conselho Europeu e as negociações que dentro dele têm lugar configuram um procedimento antidemocrático, marcado pela opacidade e pelos jogos de uma qualquer nomenclatura. Essas negociações são frequentemente tratadas como arranjos de corredor, feitos nas costas do eleitorado e sem nenhum respaldo democrático nem escrutínio institucional. Esta alegação muito espalhada é manifestamente errada, releva de uma forma de pensar “populista” e “simplista” e revela uma profunda incompreensão dos mecanismos da democracia constitucional e liberal (e, em particular, das democracias de tipo federal ou “para-federal”).

Antes de tudo o mais, importa lembrar que o Conselho Europeu é um órgão democrático, no qual têm assento todos os chefes de executivo dos Estados-membros, devidamente legitimados pelo voto dos respectivos eleitores. Na UE, tanto o Conselho de Ministros como o seu vértice, o Conselho Europeu, representam os Estados-membros; já, por sua vez, o Parlamento Europeu representa os povos da União. Como, de resto, ocorre em qualquer federação – e a UE não é uma federação, mas possui dimensões inequivocamente federais –, tem de haver um órgão de topo que represente a vontade dos Estados-membros enquanto tais. Esse órgão não só é imprescindível ao bom funcionamento da União como é legítimo e democrático. Bem mais do que isso, é um factor de legitimação democrática das decisões da União. A intervenção do Conselho é o garante de que a vontade democrática apurada em cada Estado tem relevo e tradução no plano europeu.

3. Sendo a UE uma entidade complexa, o peso desta instituição – e, bem assim, das formações do Conselho de Ministros como órgão legislativo corrente – tem de ser articulado com o peso das outras duas instituições, o Parlamento Europeu e a Comissão. E, muito em especial, com o Parlamento Europeu, dado que este tem uma legitimidade democrática directa, que obviamente “concorre” com e equilibra a legitimidade do Conselho. Por vezes, olhando ao modo como tão ligeiramente se escreve e se disserta sobre o tema, fica-se com a ideia de que o Conselho Europeu é visto como um órgão clandestino, uma espécie de órgão externo ou de tutela externa da União. Lendo certos comentadores, fica-se com a sensação de que olham para o Conselho como uma espécie de “cavalo de Tróia” ou “órgão-vilão”. Ora, o Conselho é uma instituição europeia de pleno direito, tão europeia e tão necessária como as restantes. Não é pensável nem concebível que uma construção tão complexa como a UE pudesse funcionar sem uma instituição que represente e condense a visão e o interesse dos Estados-membros.

Sou insuspeito de qualquer simpatia por uma deriva intergovernamental, que, por vezes, reconheço, o Conselho arrisca ou mesmo roça. E essa apetência deve ser travada. É também verdade que o Conselho de Ministros – que actua a um nível puramente legislativo e “inferior” ao do Conselho Europeu – deveria funcionar com outras regras de publicidade. Com efeito, nada impede – mesmo hoje e com pleno respeito dos Tratados – que estas formações do Conselho de Ministros funcionem como autênticas câmaras altas parlamentares. Voltando, porém, ao nível mais elevado do Conselho Europeu, tenho de insistir: numa entidade com as características e história da UE, é impensável que não haja uma instituição que incorpore o conjunto dos interesses e das visões dos Estados-membros. É fundamental que essa visão e essa pulsão – para quem tenha uma visão mais organicista e vitalista da natureza dos Estados – possa ser racionalizada e interiorizada na dinâmica política e constitucional da União.

4. Sendo o Conselho Europeu um órgão que representa os Estados-membros através dos chefes de executivo – chefes de Estado e chefes de Governo –, a sua metodologia de decisão tem de repousar necessariamente na multiplicação de consultas e de negociações. É evidente que a transacção entre as diferentes visões nacionais só pode ser conseguida num esforço constante de consulta e de negociação. E é também manifesto que, estando em causa interesses e visões nacionais, essas consultas e negociações têm de decorrer com discrição, assegurando que nenhum Estado nem nenhum dos chefes de executivo perde a face. Fazer chacota e caricatura desta realidade institucional é fácil, mas o reforço de legitimação e democratização não passa por essa crítica caricatural.

SIM e NÃO

SIM. Listas do PSD. As escolhas dos cabeças de lista já anunciadas são um óptimo prenúncio de renovação geracional e de abertura à sociedade civil do PSD. Um grande repto ao partido e a todos os partidos.

NÃO. INEM. Os problemas com a demora na resposta de chamadas de urgência e a clara falta de recursos atestam o caos em que o Governo deixou o sector da saúde. A falência dos serviços é evidente.

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