Qual é a idade dos órgãos? São um mosaico de células novas e velhas

Equipa de cientistas dos EUA determinou a idade das células de órgãos como o pâncreas e o fígado. Resultado: são compostos tanto por células novas como velhas.

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À esquerda, um neurónio; ao centro, uma célula perivascular (com núcleo rosa); e à direita uma matriz extracelular: tudo o que não está a azul-marinho é mais velho Instituto Salk
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À esquerda, um neurónio; ao centro, uma célula perivascular (com núcleo rosa); e à direita uma matriz extracelular: tudo o que não está a azul-marinho é mais velho Instituto Salk

Um mosaico de células novas e velhas. É assim que uma equipa de cientistas dos Estados Unidos define a idade de alguns órgãos do nosso corpo. Num artigo científico publicado na revista Cell Metabolism, os investigadores revelam que descobriram que o fígado e o pâncreas de ratinhos têm populações de células e proteínas com uma longevidade tão longa como a dos neurónios, que são caracterizados por serem bem velhinhos.

“A maioria dos neurónios não é substituída durante a vida de um animal. Este estado de não divisão caracteriza-se por uma extrema longevidade e um declínio, que está ligado à idade, de importantes proteínas reguladoras”, lê-se no artigo. Portanto, já se sabia que a “esperança média de vida” dos neurónios era elevada. E a das células fora do cérebro?

Esse foi o desafio da equipa que teve como principal autor Rafael Arrojo e Drigo, do Instituto Salk para Estudos Biológicos. “Os biólogos têm questionado qual é a idade das células num organismo. A nível geral, havia a ideia de que os neurónios são velhos, enquanto as outras células no corpo são relativamente novas e se regeneram ao longo da vida do organismo”, afirma o cientista num comunicado da sua instituição.

Para saber então qual era a idade dessas outras células, a equipa combinou um marcador de isótopos com uma técnica de espectrometria. Desta forma, conseguiu visualizar e quantificar a idade de células e proteínas no cérebro, pâncreas e fígado de ratinhos. Para haver um ponto de referência, determinou-se a idade dos neurónios e percebeu-se que eram tão velhos quanto o organismo – tal como se suspeitava. As surpresas chegaram depois.

Façamos então uma viagem pelo corpo dos ratinhos. No interior dos vasos sanguíneos, verificou-se que células que os revestem – nomeadamente as células endoteliais – são tão velhas como os neurónios. “Isto significa que, além dos neurónios, há células que não se replicam ou se substituem a si próprias ao longo do tempo de vida [do organismo]”, refere-se no comunicado.

No pâncreas, há um autêntico mosaico de idades celulares. Neste órgão, que é responsável por manter os níveis de açúcar no sangue, existe um grupo de células responsáveis pela produção de insulina – os ilhéus de Langerhans – e que é composto por uma mistura de células velhas e novas. Algumas células beta – que libertam insulina – dividem-se ao longo da vida do organismo e são relativamente jovens. Já outras deste tipo não se dividem e vivem quase tanto como os neurónios. Quanto às células delta – que produzem a hormona somatostatina –, essa divisão não acontece.

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Células novas (o que está a azul) e velhas do pâncreas Instituto Salk

O mesmo mosaico de idades também existe no fígado. Num ratinho adulto, a maioria das células hepáticas é tão velha quanto o animal. A excepção acontece com as células perissinusoidais, outro tipo de células hepáticas, que são muito mais jovens. “Inesperadamente, o fígado também tem um mosaico de idades, o que nos indica [que pode haver] novas vias de investigação regenerativa para este órgão”, refere-se no comunicado.

E por que acontece este mosaico? Numa escala molecular, observou-se que as células que vivem mais têm complexos proteicos (conjunto de proteínas que interagem umas com as outras ao mesmo tempo e no mesmo sítio) que suscitam esse mosaico. No comunicado, exemplifica-se que os cílios principais (uma espécie de pêlos no exterior das células) das células beta e dos neurónios têm conjuntos de proteínas com uma ampla longevidade.

“Com base nestes resultados, propomos que o mosaicismo de idades ao longo de várias escalas é um princípio fundamental do tecido adulto e da complexa organização das células e das proteínas”, concluem os autores no artigo.

Prevenir e atrasar o declínio celular

“Ficámos muito surpreendidos por ter encontrado estruturas celulares que são basicamente tão antigas quanto os organismos onde residem”, reage no comunicado Martin Hetzer, vice-presidente do Instituto Salk e um dos autores do artigo. “Isto sugere que há uma maior complexidade celular do que julgávamos, o que tem implicações intrigantes sobre como pensamos a idade de órgãos como o cérebro, o coração e o pâncreas.”

Mais exactamente, o cientista explica que – no futuro – a determinação da idade das células e das estruturas subcelulares nos organismos adultos nos poderá fornecer mais informação sobre os mecanismos de reparação celular ou dos impactos cumulativos durante a vida adulta na saúde e no desenvolvimento de doenças. “O objectivo final é usar esses mecanismos para prevenir ou atrasar o declínio relacionado com a idade nos órgãos em que há uma renovação celular limitada, como o cérebro, o pâncreas e o coração”, explica Martin Hetzer.

Por agora, a equipa tem outros planos: pretende saber a longevidade de lípidos e ácidos nucleicos. Ao desvendar esses lípidos e ácidos nucleicos, poderá saber-se mais sobre doenças como a diabetes de tipo 2. É caso para dizer que, nas células, a idade pode importar.

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