“Um Exercício de Trigonometria.” A última lição da pediatra Maria do Céu Machado

A também presidente do Infarmed recordou o seu trajecto profissional e a evolução da medicina no país. À plateia que assistiu à última aula alertou para os desafios futuros que exigem planos na saúde, educação e emprego.

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Daniel Rocha

Uma primeira fila de peso. Três presidentes da República — Jorge Sampaio, Cavaco Silva e Ramalho Eanes — a ministra da Saúde Marta Temido, os secretários de Estado da Saúde Raquel Duarte e Francisco Ramos e o bastonário dos Médicos Miguel Guimarães. Maria do Céu Machado, pediatra e presidente do Infarmed, deu esta terça-feira a última lição na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).

“Um Exercício de Trigonometria” chamou a médica à última aula, seguindo uma sugestão dos netos mais velhos Diogo e Teresa, num dos almoços de família. Os sete netos assistiram à última lição no auditório João Lobo Antunes, com quem Maria do Céu Machado era casada. “Hoje o João faria 75 anos. E há cinco anos, a esta hora, ele deu a sua última aula”, recordou a pediatra no final da sua última lição.

Durante 45 minutos, Maria do Céu Machado passou em revista a história da sua vida misturada com a história da saúde em Portugal. “Esta é a minha casa”, começou por dizer Maria do Céu Machado, dirigindo-se a Fausto Pinto, director da FMUL. Com o apoio de slides com fotos de família e gráficos de estudos, Maria do Céu Machado passou em revista os seus 48 anos como funcionária pública.

“O meu avô Machado (avô paterno) era de Carrazeda de Ansiães. Era governador do Banco Nacional Ultramarino. Se não fosse, não teria ido para Moçambique, deixado a família em Lisboa e o meu pai não teria ido para o colégio e conhecido a minha mãe.” Na sala cheia ouviu-se uma gargalhada, que se repetiu com a história do avô materno, o avô Manuel. “Era de Portalegre. Era médico. Se não fosse deputado, não tinha vindo para Lisboa, a minha mãe não teria ido para o colégio e não teria conhecido o meu pai”, recordou. Foi este avô, que todos os dias a visitava, que influenciou Maria do Céu Machado a seguir medicina.

A presidente do Infarmed contou que como “queria aprender a tratar de doentes” foi para os hospitais civis de Lisboa, de como “se não fosse o 25 de Abril não teria havido serviço à periferia” e como, já no Hospital Curry Cabral, ela e os colegas foram influenciados pelo médico Mateus Marques. “Todos os que fomos ali colocados [no pavilhão de pediatria] fomos para pediatria.”

“Os adolescentes são a minha paixão”

À medida que ia mostrando fotos do seu percurso e recordando as várias posições que ocupou — como fez na entrevista que deu ao PÚBLICO a propósito da sua jubilação — a pediatra foi fazendo uma associação à evolução da pediatria em Portugal e aos desafios dos tempos modernos.

“Temos melhor educação, vacinas, antibióticos, melhor nutrição, saneamento básico, houve uma quebra da mortalidade. Sobrevivem mais crianças com deficiência e doenças crónicas graves. Foi o que encontrei no Hospital de Santa Maria. Temos de perceber as crianças no seio da família e aproveitar todas as oportunidades para promover a saúde”, disse.

A pediatra lembrou o projecto que desenvolveram no departamento de pediatria, o Conselho de Jovens. “São jovens doentes crónicos, com muita experiência de internamento, que nos ajudaram muito a melhorar o serviço. Verdade que não resistia a dizer-lhes, antes de entrarem na reunião com o conselho de administração, o que queria que dissessem”, confessou. E arrancou gargalhadas da plateia.

“Os adolescentes são a minha paixão. Talvez por causa dos meus netos”, confessou, apontando o consumo de álcool e tabaco como dois problemas que têm de ser resolvidos. “Já consolidámos os resultados na infância e agora temos de investir na adolescência.”

Maria do Céu Machado defendeu a necessidade de se fazerem “planos na saúde, educação e emprego”, assim como estudos para se poder planear soluções. Entre os desafios que destacou, estão a baixa natalidade e o envelhecimento, mas também a inovação que permite aos médicos dar soluções a doentes que antes não as tinham.

A presidente terminou a aula com um slide em inglês. “Para ser chefe, uma mulher tem de: pensar como um homem; trabalhar como um cavalo; agir como uma senhora; tomar conta dela como uma adolescente”. “Ao final de 48 anos, decidi mudar aqui uma coisa: uma mulher tem de pensar como uma mulher”, rematou.

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