Peritos defendem que com melhor gestão é possível reduzir recurso aos privados na saúde

Conselho Económico e Social faz debate sobre o Serviço Nacional de Saúde. A antigo director do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge diz que é possível público, privado e social conviverem, mas que as regras têm de ser claras.

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“Se houver um pouco mais de financiamento e de eficiência é possível que o Estado possa responder a todas as necessidades ou pelo menos a mais, recorrendo menos ao sector privado”, diz José Pereira Miguel, ex-director geral da Saúde e antigo director do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge. O especialista é um dos oradores da conferência A Saúde e o Estado: o SNS aos 40, que o Conselho Económico e Social realiza nesta sexta-feira, no Fórum Lisboa.

O grupo que coordenou – e do qual fazem parte a presidente do Infarmed Maria do Céu Machado e o coordenador do Plano Nacional de Saúde Rui Portugal, entre outros – debruçou-se sobre os papéis do Estado, do sector social e do mercado. Um contributo a um ano do próximo aniversário do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que Pereira Miguel destaca como um “avanço extraordinário” para a sociedade.

O balanço deste percurso, diz, “é francamente positivo”, mas são reconhecidas dificuldades e áreas para melhorar. O acesso e a sustentabilidade são duas das que apontam. À pergunta sobre há risco de a falta de equidade se agravar nesta relação aparentemente conturbada entre público, privado e sector social, diz que sim. “Têm de se criar salvaguardas para que, perante situações em que ainda não foi possível atingir a equidade e a sustentabilidade, isso não resulte numa situação em que alguns obtenham ganhos excessivos e as pessoas fiquem prejudicadas”, afirma, referindo que o recurso ao sector privado deve ser limitado ao necessário.

“O Estado tem de ser capaz de se organizar e o que dizemos é que uma boa parte dessa organização vem da questão da eficiência, de as coisas serem mais bem geridas a todos os níveis, particularmente as grandes unidades hospitalares. Outra parte virá de uma melhor regulação”, que, se for aperfeiçoada, permitirá uma maior lisura na colaboração entre público, privado e social.

Uma parte da relação passa pelas parcerias público-privadas (PPP), tema que divide esquerda e direita no Parlamento e que é um dos pontos das novas propostas de Lei de Bases da Saúde que estão em discussão.

“O nosso grupo não foi radical: nem abolição das PPP, nem a redução de tudo às PPP é panaceia universal. Haveria de se afinar o processo das PPP, mas não eliminá-las do mapa”, diz, sugerindo a revisão dos cadernos de encargos e um acompanhamento mais próximo para monitorizar os resultados do que foi contratado.

Em suma, a tónica do documento, adianta, é que é possível os três sectores conviverem. “Agora é preciso jogo limpo. Regras do jogo muito claras, muita transparência nos negócios que são feitos, escrutínio público sobre o que se negociou, com quem, por quanto e como. Mais acompanhamento das relações entre os parceiros, mais ética, mais acautelamento dos conflitos de interesses.”

Recursos humanos

Pereira Miguel destaca ainda a questão da capacidade instalada nos hospitais. “Muitas vezes tem-se a noção de que, por razões apenas de má gestão, a capacidade que existe instalada nos hospitais e noutras unidades de saúde não é utilizada a 100%. O que acontece com isso é que empurram-se cirurgias para fora do sector público e exames de diagnóstico”, aponta.

O que leva à questão dos recursos humanos e ao facto de muitos profissionais se repartirem entre o serviço público e o privado ou simplesmente deixarem o SNS, para procurarem melhores condições. Uma “situação que tem criado dificuldades ao SNS e que, se não for resolvida, vai continuar a criar". "A exclusividade poderá ser uma solução ou pelo menos a existência de regras mais claras sobre em que circunstâncias a pessoa pode trabalhar dentro e fora” do SNS.

Sobre os desafios futuros do SNS, a demografia é um deles. A população será cada vez mais envelhecida e é preciso melhorar o indicador de anos de vida saudáveis a partir dos 65 anos, em que estamos pior do que a média europeia. É por isso que o documento também dá ênfase à necessidade da saúde estar em todas as políticas. Apesar dos avanços positivos feitos em várias áreas, como o exercício físico, alimentação saudável, medidas para redução dos consumos de álcool e tabaco, Pereira Miguel afirma que é preciso continuar a apostar e a desenvolver estes “factores que determinam a saúde que temos”.

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