A importância das europeias para o quadro político

É fácil ridicularizar o PAN, reduzindo-o ao partido dos maluquinhos dos cães e gatos ou da alimentação biológica

O PS não teve uma grande vitória nas europeias. Subir de oito para nove eurodeputados é um bom resultado, assim como o é ter crescido em termos percentuais de 31,46% para 33,38%, mas este resultado corresponde apenas a uma subida de 1.033.158 votos, nas europeias de 2014, para 1.106.329. As europeias têm, porém, um significado político e simbólico para o PS que, esses sim, são marcantes.

Deixam claro que, embora não seja impossível, será difícil, para os socialistas, virem a obter a maioria absoluta. Mas a descolagem em relação ao PSD, expressa pela diferença de mais de 11%, isola o PS como partido na frente e demonstra a desestruturação do PSD e do CDS, reduzidos a percentagens eleitorais preocupantes, para mais sendo oposição (21,94% e 6,19%). Além de que estas são as primeiras eleições de âmbito nacional que António Costa ganhou – não esqueçamos que ficou em segundo lugar nas legislativas de 2015. É certo que os socialistas ganharam as autárquicas de 2017, mas são eleições com um impacto real no poder municipal, ainda que sejam essenciais para os partidos criarem a base nacional que os pode levar ao Governo.

Costa consolida-se como líder político, o que se deve a ter apostado em fazer das europeias um referendo à sua governação. Mas, sobretudo, a ter usado, como forma de afirmação enquanto líder, a coligação negativa que se gerou no Parlamento em torno do decreto-lei que reconhece parcialmente o descongelamento do tempo de serviço dos professores. Assim como, em 2013, Passos Coelho se afirmou como líder pelo modo como rejeitou a demissão “irrevogável” de Paulo Portas, Costa fê-lo agora assumindo uma atitude de firmeza própria de quem detém autoridade política (que não é o mesmo que autoritarismo).

Percebeu que vivia um momento decisivo para o seu futuro. Passaria a ser o chefe de um Governo demasiado frágil se se deixasse condicionar como primeiro-ministro por uma alteração a uma lei que poria em causa a orientação da sua governação. O executivo ficaria fragilizado em termos vitais, passaria a ser prisioneiro, a ficar refém do Parlamento.

Mas Costa percebeu que a questão era mais complexa. É que, ao aceitarem alterar uma lei do Governo para satisfazer os sindicatos, os deputados transformaram-se em porta-vozes de interesses corporativos e abandonaram a sua missão de representação política nacional. Se a coligação negativa vingasse, o Parlamento passaria a ser assumidamente uma caixa de eco de interesses privados e reivindicações corporativas.

No fundo, Costa percebeu as “linhas vermelhas” que nas democracias parlamentares não devem ser ultrapassadas. De certa forma, à maneira de Margaret Thatcher, quando “partiu a espinha” aos mineiros britânicos, que então ainda dominavam o Partido Trabalhista, Costa afrontou os partidos parlamentares que estavam a colocar-se nas mãos de Mário Nogueira e com isso também “partiu a espinha” à Fenprof.

Há uma outra mudança de fundo que as europeias revelam: a entrada do PAN no quadro partidário de primeira linha, se se consolidar nas legislativas de 6 de Outubro. Olhar o PAN como um partido de causas é um erro de análise e uma prova de ignorância sobre o que este partido defende e também sobre o que é o mundo de hoje. É fácil ridicularizar o PAN, reduzindo-o ao partido dos maluquinhos dos cães e gatos ou da alimentação biológica. É certo que o PAN defende que os animais são “seres sencientes”, ainda que não conscientes como os humanos. Mas a verdade é que a forma como os humanos os encaram e tratam, além de ter consequências sobre a vida dos animais, define os próprios humanos.

O PAN é muito mais que a defesa dos direitos dos animais: tem uma visão actual sobre o que são os direitos humanos e como devem ser centrais nas políticas mundiais em sociedades democráticas inclusivas das diferenças e reconhecedoras da diversidade. A sua visão sobre o problema dos refugiados e dos imigrantes que procuram abrigo e uma nova vida na Europa não é absurda. Nas suas linhas mestras, é similar a outras, até mesmo em Portugal. E o problema não vai resolver-se apenas porque a União Europeia o tem “empurrado com a barriga”.

O PAN tem também uma visão apurada das questões que se prendem com as alterações climáticas e as mudanças que é necessário introduzir no modelo produtivo capitalista, para garantir a normal sobrevivência da vida na Terra dentro de algumas (poucas) gerações. Isto significa que o PAN não é um defensor de causas “giras”, mas um partido que se afirma na busca de um novo modelo de organização produtiva.

As preocupações do PAN são tão centrais no mundo e na política, hoje em dia, que estiveram presentes, ainda que em grau menor ou idêntico, nos programas e manifestos de outros partidos nestas eleições. E isso torna estas europeias importantes, não só pela afirmação de Costa como líder, mas também pela alteração ao quadro partidário.

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