A “geringonça” é um compromisso à prova de crises artificiais

A “geringonça” não é nem nunca será uma coligação. É uma solução de mínimo denominador comum, tantas vezes incompreendida e, por isso, subestimada no que diz respeito à sua estabilidade.

Sempre que há uma coligação negativa no Parlamento ou uma votação em que o PS se encosta à direita, surge o fantasma do fim da “geringonça”. As votações das apreciações parlamentares do decreto dos professores são o exemplo mais recente, mas o primeiro é quase tão antigo como a solução governativa em si.

Logo em 2015, semanas depois de o Governo minoritário do PS tomar posse, foi com a direita, e não com a esquerda, que o executivo ultrapassou o primeiro desafio. O orçamento rectificativo que possibilitou uma intervenção no Banif e que, supostamente, salvou o sistema financeiro de uma crise, foi viabilizado através da abstenção do PSD, um dos partidos que tinham acabado de ver a esquerda chumbar, no mesmo Parlamento, o seu programa de Governo, fazendo cair o executivo da coligação Portugal à Frente.

Seguiram-se outros episódios mais ou menos importantes como, por um lado, a aliança que deixou o PS isolado e que obrigou os gestores da Caixa Geral de Depósitos a entregarem as suas declarações de rendimentos ou, por outro lado, os acordos entre os partidos do bloco central em matéria de descentralização ou fundos comunitários.

A verdade é que quando o PS se encosta à direita ou todos os partidos que não estão no Governo se unem para contrariar o executivo não tarda muito em falar-se em divórcio no seio da “geringonça”. E no entanto, ela continua a mover-se e a funcionar como esperamos que façam todas as geringonças.

É preciso não perceber o espírito com que foram assinados os acordos de 2015 para estar sempre a acreditar no fim desta solução governativa. Ela foi desenhada à prova de crises artificiais, de moções de censura, de ultimatos. Os quatro partidos fizeram um pacto em relação a questões muito concretas enumeradas nos documentos assinados há quase quatro anos e que, genericamente, todos temos resumido a uma ideia: reposição de rendimentos.

Os partidos não assumiram a obrigação de se entenderem em toda e qualquer reposição de rendimentos. Não há nem uma palavra, nos acordos, sobre carreiras dos professores. O que está escrito nas 70 medidas acordadas inclui a trajectória de aumento do salário mínimo nacional, a reposição gradual dos salários da função pública, o aumento das pensões, a descida do IVA da restauração para 13%, a redução global do valor das taxas moderadoras, a reposição de quatro feriados ou a redução do número de alunos por turma, só para recordar algumas medidas definidas nos documentos.

A “geringonça” não é nem nunca será uma coligação. É uma solução de mínimo denominador comum, tantas vezes incompreendida e, por isso, subestimada no que diz respeito à sua estabilidade. Permite divergências e algumas mantém-se desde o início.

Não tenho a certeza de ser mais aquilo que une PS, BE, PCP e PEV do que aquilo que os separa, mas estou certa disto: o que os une está registado em acordos bilaterais desde o momento zero e esse compromisso tem sido muito mais forte do que o que os separa.

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