Quando não há pão, há circo!

O custo da ineficiência e da má gestão cobre a mais pessimista estimativa do impacto financeiro do reconhecimento do tempo de serviço e da sua concretização nas carreiras dos professores.

A crise política provocada pelo atual Governo em torno do reconhecimento do tempo de serviço dos professores e do modo de o consagrar nas progressões e remunerações dos diferentes escalões da carreira mobilizou os mais variados argumentos com especial destaque para o impacto nas finanças públicas.

Ao presente, creio que o problema é, antes de mais, político.

Começou por ser político quando:

1. O Governo e o PS criaram expectativas reais de recuperação do tempo de serviço prestado, por declarações de responsáveis governamentais e por posições expressas em votações parlamentares.

2. O Governo não definiu atempadamente quais as condições de recuperação do tempo de serviço, seguindo critérios comuns às diferentes carreiras dos funcionários da administração pública. Pelo contrário, arrastou e avolumou o problema, reagiu tarde e de forma casuística, sempre a reboque da pressão sindical.

Sem as expectativas criadas e com uma clara definição desses critérios comuns o problema então criado não se tinha arrastado até aos nossos dias. Não me lembro de qualquer protesto significativo dos professores quando foi necessário impor sacrifícios e congelar progressões, quando eles foram extensivos a toda a administração pública e cumprindo igual critério.

É um problema político quando não existiu qualquer estratégia de negociação com os sindicatos, fiados que estavam no prolongamento da “lua de mel” dos dois primeiros anos de governação. Quando perceberam que esse tempo tinha acabado, optaram pela indecorosa patranha das negociações fictícias. Todos perceberam então que quem governava não era o Ministro da Educação, era o Ministro das Finanças. Mas este último também percebeu que as contas públicas e a gestão do pessoal no Ministério da Educação estavam sem controlo.

Quatro factos para perceber esse descontrolo:

1. Depois de 2015 o absentismo de docentes e funcionários nas escolas disparou para perto dos 10%, custando anualmente cerca de 150 M€.

2. No mesmo período, as despesas de pessoal aumentaram cerca de 700 M€, o número de educadores e professores aumentou entre 6 a 7 mil, quando o número de alunos não parou de diminuir.

3. Gasta-se cada vez mais no ensino profissional, criam-se mais cursos sem haver procura nem empregabilidade, autorizam-se turmas com um número diminuto de alunos e cede-se a tudo porque se aproximam eleições.

4. Generalizou a gratuitidade dos manuais escolares a todos os alunos, quando o benefício deveria ser restrito aos alunos com direito à ação social escolar. Não tendo dinheiro, ficou a dever a editores e livreiros durante vários meses.

O custo da ineficiência e da má gestão cobre a mais pessimista estimativa do impacto financeiro do reconhecimento do tempo de serviço e da sua concretização nas carreiras dos professores.

Lançar sobre a opinião pública estimativas de centenas de milhões – sem fornecer os dados de base e as metodologias adotadas, mesmo depois de sucessivos pedidos não correspondidos - e alimentar a especulação dramatizada é outro problema político. Silencia o contraditório, afirma o poder de manipulação da informação e anula o escrutínio democrático. Mais importante, desvia a atenção das más políticas educativas para o domínio do equilíbrio e sustentabilidade das contas públicas. Por alguma razão o Ministro da Educação desapareceu de cena.

É possível acomodar o reconhecimento do total do tempo de serviço congelado com o equilíbrio financeiro? É possível, desde que se saiba negociar com os sindicatos e que se adotem as medidas de política educativa adequadas, nomeadamente:

1. Mobilização de uma parte desse tempo para progressões com uma calendarização não inferior a seis anos.

2. Despenalização das reformas antecipadas, a título excecional, para os professores com, pelo menos, 63 anos.

3. Redução da componente letiva em um terço reorientando esses professores para funções de supervisão e formação de novos professores.

As combinatórias de medidas nestes três domínios permitem responder a problemas que se agravam dia a dia nas escolas portuguesas: desmotivação dos docentes, envelhecimento excessivo, elevado absentismo e quebra dos mecanismos de indução profissional das novas gerações de professores.

Não vou entrar na guerra dos milhões, nem o que proponho ilude os problemas. Nada disto é possível se não for delineada uma estratégia que alie estas medidas a um maior rigor e disciplina na gestão dos recursos e à conceção de outras políticas educativas que assegurem a qualidade do serviço público de educação.

Deixo para o fim a rábula da demissão do Governo. Confesso, desde já, que lido mal com este tipo de política, feita de pequenos truques, de muito ilusionismo e, acima de tudo, de uma poderosa máquina de comunicação que antecipa e condiciona o debate franco e aberto dos problemas. Quem gosta deste tipo de política rejubila com o circo que o Primeiro-ministro montou, elogia o grande golpe, o “profissionalão”, aplaude o contorcionismo, espasma com o truque de ilusionismo. Só que a política não pode ser um circo, nem uma sucessão de mentiras ou meias verdades.

António Costa conseguiu pôr todos os media e comentadores numa busca obsessiva pelo recuo da oposição. Qualquer que fosse a posição tomada, seria sempre um recuo e se não fosse um recuo era um desastre. Inundou a opinião pública com estimativas de centenas de milhões, todas elas contraditórias e sem esclarecer as hipóteses simplificadoras dos cálculos. O objetivo era o anúncio do desastre para que se deixasse de falar no familygate, no erro de casting do candidato às europeias, ou nas benesses concedidas a alguns poderosos da administração pública.

Se o conseguiu ou não, falaremos mais tarde.

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