O futuro da Europa

A nova ordem global não será fácil para a Europa e é bem possível que os europeus estejam entre as vítimas desta rivalidade.

Amanhã é dia da Europa. E em Sibiu, na Roménia, os líderes europeus vão reunir-se numa cimeira para discutir, precisamente, o futuro da Europa. O tema não podia ser mais relevante. A construção europeia está paralisada desde a crise do Euro e dos refugiados, suspensa do “Brexit” e ameaçada, a leste, pelo revisionismo agressivo de Putin, a ocidente, pela erosão do vínculo transatlântico de Trump e minada, no seu interior, pelos populismos emergentes. Precisa, como de pão para a boca, de uma visão de futuro e de uma estratégia global.

A Comissão Europeia apresentou um documento com um conjunto de recomendações que é suposto ser a agenda estratégica da União 2019-2024. Ou seja, as prioridades políticas para o futuro da Europa. Bem sei que a comissão não é o conselho e muito menos os líderes europeus, mas as recomendações espelham o estado da União. E resumem-se, basicamente, a cinco: uma Europa protectiva, que não é mais que o aprofundamento das políticas de segurança e defesa a que junta uma gestão “proactiva” das migrações; uma Europa competitiva, que é, no fundo, a conclusão da união económica e monetária; uma Europa justa, que é a reafirmação do modelo social europeu; uma Europa sustentável, que passa por um modelo económico amigo do ambiente, contra a mudança climática; e, finalmente, uma Europa influente capaz de “liderar no mundo através de um forte apoio a uma ordem global multilateral com as Nações Unidas no seu centro”.

Tudo isto é, certamente, importante. Mas não é, com certeza, estratégico. Tudo isto se parece mais com os problemas do passado do que com uma visão de futuro. Mais, tudo isto é pensado a olhar para dentro, quando a Europa precisa, mais do que nunca, de olhar para fora. E quando olha para fora não compreende nem o seu lugar nem o mundo que aí vem. A UE parece cada vez menos uma potência global e o mundo que aí vem não é, certamente, o da ladainha do “multilateralismo efectivo”.

Não sabemos ainda se a eleição de Trump marcará o fim do “século americano” e a subida ao poder de Xi Jinping o princípio do “século do pacífico”. Mas uma coisa sabemos, o mundo da globalização trouxe a emergência de uma nova rivalidade entre os EUA e a China e são estas duas potências que vão disputar a liderança da ordem internacional. Ora, nesse novo mundo a Europa não definiu, ainda, nem o seu lugar nem a sua estratégia.

No plano comercial, a guerra entre os EUA e a China não tem fim à vista. As negociações para um acordo comercial estão num impasse e os sinais de escalada não param. Os efeitos económicos sobre a Europa já começaram: depois da ameaça de Trump de um novo aumento de tarifas, as bolsas europeias abriram em queda. No plano tecnológico, a guerra digital não tem melhores perspectivas. A luta pela hegemonia da tecnologia 5G, a liderança nas telecomunicações, big data e inteligência artificial, levaram os EUA a excluir a tecnológica chinesa Huawei do seu mercado. Nunca o provaram, mas invocam as relações entre a empresa e o Estado chinês e a possibilidade de espionagem. E lançaram uma ofensiva diplomática para pressionar os aliados europeus a fazer o mesmo. Mas a rivalidade não se fica por aí. A “nova rota da seda” lançada pelo governo chinês constitui um gigantesco programa global de investimentos em infra-estruturas, transportes e comunicações com um objectivo claro: através do poder económico estabelecer a sua esfera de influência geopolítica. Está em África, no Médio Oriente, na Ásia Central e, sem cerimónias, entrou em força na Europa e, como é sabido, em Portugal. Os EUA já declararam a “nova rota da seda” uma ameaça à segurança nacional americana.

A nova ordem global não será fácil para a Europa e é bem possível que os europeus estejam entre as vítimas desta rivalidade. Americanos e chineses vão pressionar a UE a escolher. Precisamente, a escolha que os europeus não querem fazer. Porque têm interesses económicos de ambos os lados e a escolha significa sempre perder alguma coisa.

Mas chegados aqui, valerá a pena dizer que a escolha vai muito para além da economia. É política. Porque esta é uma rivalidade pela hegemonia mundial e atrás do comércio, da tecnologia e da “rota da seda” virá depois a construção de uma alternativa política. Entre um sistema de partido único e controle digital das massas e outro que, com mais ou menos ameaças ao Estado de Direito, será sempre uma Democracia.

É por isso que a UE precisa de uma estratégia global, autónoma e de acordo com os seus interesses e os seus valores.

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