Cinco ou seis anos em busca de “um determinado perfil” de criança a adoptar

Relatório do Conselho Nacional para a Adopção refere que “candidatos a pais adoptivos de 2045 candidaturas” aguardavam em 2017 a concretização de um projecto adoptivo.

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Adriano Miranda

Mais de metade das famílias que adoptaram crianças em 2017 tinha formalizado a sua candidatura cinco ou seis anos antes (em 2011 e 2012). Porém, algumas conseguiram concluir o processo em menos de cinco anos. “O tempo de espera dos candidatos e a elegibilidade das suas candidaturas dependeu em muito, e como é habitual, do desfasamento das suas pretensões relativamente às características das crianças em situação de adoptabilidade”, sublinha o documento do Conselho Nacional para a Adopção tornado público na segunda-feira. 

Com efeito, reforça a professora universitária e psicóloga Fernanda Salvaterra, “o tempo varia com o pedido, com a criança desejada”. “Não é pelos serviços, pelos tempos de espera, mas porque as escolhas não correspondem à realidade, não são escolhas fáceis de concretizar.” Sinal disso, diz, é ter havido 19 famílias que integraram crianças em 2017, no mesmo ano em que apresentaram a candidatura. Os dados mostram igualmente que mais de um quarto das 220 famílias que adoptaram crianças em 2017, tinham apresentado as candidaturas depois de 2014.

Assim, quando o documento refere que “candidatos a pais adoptivos de 2045 candidaturas aguardam em 2017 a concretização de um projecto adoptivo”, a especialista contrapõe: “O que existem são muitas famílias à espera de crianças com um determinado perfil, que não existe. São sobretudo as crianças pequeninas até aos três anos, saudáveis, e geralmente de pele de cor clara.” Também a professora da Universidade do Porto Maria Barbosa-Ducharne diz que “a adopção tem que ser sempre pensada em função da criança”. E nem sempre o é. Prova disso, considera, é a tentativa do sistema de garantir que as famílias têm as mesmas oportunidades independentemente da sua localização geográfica. Resulta daí que as crianças começam por ser acompanhadas por uma equipa de adopção de um determinado distrito e continuam depois esse delicado trabalho de preparação com outra equipa num outro distrito.

Esta ruptura com a equipa de adopção é um dos vários factores de risco, diz Maria Barbosa-Ducharne. “Enquadra-se nos factores de risco associados à prática profissional.” Por isso, a investigadora defende que numa situação em que existam duas famílias para uma criança não se deve relegar para segundo plano aquela que permite à criança manter a mesma equipa de acompanhamento só porque a candidatura da família é mais recente. A antiguidade da candidatura não deve ser tratada como factor de prioridade quando implicar uma mudança da equipa de adopção inicial, sintetiza. 

Há também os factores de risco associados aos pais adoptivos – como “as expectativas irrealistas, a falta de preparação para o projecto de parentalidade, as práticas educativas desajustadas”, diz Maria Barbosa-Ducharne. Entre os factores de risco associados à criança, estão a idade tardia também ela associada ao facto de muitas vezes “não haver a coragem de tomar uma decisão definitiva” relativamente à sua situação.

Ao deixar muito tempo as crianças em famílias [biológicas] negligentes, corre-se o risco de tentar alcançar o inalcançável, quando “elas não têm motivação nem capacidade para mudar o seu estilo de vida para oferecer uma parentalidade responsável ao seu filho”, completa Fernanda Salvaterra. Quando assim é, e a definição do projecto de vida da criança tarda, aumentam as dificuldades da integração na família adoptiva.

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