Ovibeja recebe a classe política com distanciamento. Presidente da República foi excepção

A feira alentejana veio demonstrar como o acompanhamento dos líderes partidários foi assegurada por quem desempenha funções nas estruturas do Estado ou dos partidos

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Marcelo Rebelo de Sousa foi o mais saudado na visita à Ovibeja LUSA/NUNO VEIGA

A Feira do Alentejo - Ovibeja é, de há muitos anos a esta parte, um microcosmos que se presta a leituras sobre o prestígio e aceitação dos dirigentes políticos que ali se deslocam em visita. No certame deste ano, que termina este domingo, comprovou-se o distanciamento cada vez maior em relação às respectivas lideranças, tanto da base militante de todos os partidos com assento no Parlamento, como na sua base eleitoral.

Só o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, continua a manter altos os índices de popularidade, embora a “loucura” de anos anteriores fosse esbatida no evento deste ano. A simpatia que lhe foi dedicada por jovens e crianças, não se tornou extensível aos dirigentes partidários que visitaram a Ovibeja. Ficou patente quarta-feira, no momento da sua entrada na Feira do Alentejo, à hora marcada, para presidir à sessão de abertura do evento, com o efeito selfie agora acompanhado da febre dos autógrafos que rodeou Marcelo de uma onda de jovens que disputava a primazia de ser fotografado a seu lado.

A um canto, encolhida, uma menina com 9 anos, tinha na mão o seu telemóvel cor-de-rosa. Olhava a ousadia das colegas que se colavam ao Presidente, mas ficou estática, não as acompanhou. Marcelo reparou, tocou-lhe no ombro, encostou-a a si pediu-lhe o telemóvel tirou a selfie e continuou.

A criança ficou estática. O PÚBLICO perguntou-lhe o que é que ia fazer com selfie. “Eu nem acredito que estou com o Presidente”, comentava sem se dar conta da pergunta. O momento para ela inolvidável, certamente, irá acompanhá-la a vida toda.

No pavilhão do município de Ourique um homem especialista em cortar finas fatias de presunto acelerava na tarefa mordendo a língua. “O Marcelo vem aí”, dizem-lhe em tom ansioso. Falta compor o famoso presunto de porco alentejano nos pequenos pratos que irão ser apresentados ao Presidente. O esforço mereceu um “está bom” do presidente que convida os que o acompanhavam a degustar.

Com a líder do CDS, Assunção Cristas, que chegou à Feira do Alentejo três horas depois do Presidente da República, começa o combate político e a projecção das mensagens curtas, trabalhadas para ficarem no ouvido.

Os jornalistas abeiram-se da dirigente centrista e receberam uma indicação clara. Só falava de agricultura e das “preocupações” do seu partido com as questões do clima e da água “quando sabemos que nesta região (Alentejo) o risco de desertificação é grande”. Enalteceu a Ovibeja, mas rapidamente esqueceu a orientação inicial para passar ao debate da conjuntura política, visando o PSD e as “esquerdas unidas”.

Dos social-democratas diz rejeitar propostas em que este partido “esteja envolvido com o Partido Socialista por exemplo em matéria de viagens de deputados ou na aprovação de um regime de descentralização que não tem ponta por onde se lhe pegue e que não vai dar em nada para o nosso país”. Mas também não está “disponível para dar a mão ao Partido Socialista”, vincando o seu propósito de afirmar o seu partido com alternativa governamental que pretende liderar.

No dia seguinte, comemorava-se o 45º aniversário do 25 de Abril, dia escolhido por Rui Rio para se deslocar à feira alentejana. Encontrou uma boa moldura humana à sua espera, que suscitou comparações com a recepção ao Presidente da República, para lhe atribuir equivalência.

Apresentou-se com um sorriso de quem está prestes a alcançar uma inesperada vitória nas eleições para o Parlamento Europeu. “Acredito que posso ganhar” assumiu. Tanta assertividade foi partilhada pelos apoiantes com uma expressão de agrado: “Boa! A gente vai conseguir”. Rio não perdeu a deixa e vinculou-se de imediato a outra certeza futura: “No próximo ano, vou estar na Ovibeja, mas como primeiro-ministro”.

Tanta fartura fez disparar o cepticismo de alguns, apesar das sondagens falarem de um empate técnico com o PS. Acredita que o seu partido vai “subir muito” e ter um “muito bom resultado” e sem precisar da muleta do Presidente da República. E para alcançar esse resultado o PSD “tem de andar por si próprio e não tem de ter o Presidente da República como muleta”, observou Rui Rio. 

Pedro Marques, cabeça de lista do PS às europeias, não teve uma visita fácil à Ovibeja, depois de como ministro do Planeamento e das Infra-estruturas ter prometido o que já foi prometido por outros ministros e outros governos. Sabendo que as infraestruturas rodo/ferroviárias e aeroportuárias estavam na ponta da língua dos alentejanos, o candidato optou por falar de agricultura e dos méritos próprios na projecção do regadio. “Não teríamos mais 50 mil hectares de novos regadios se eu e o ministro Capoulas Santos, não negociássemos a possibilidade de haver um financiamento para o regadio do Alqueva”.

Teve dificuldades em justificar o não cumprimento de uma sua promessa feita em Fevereiro passado, quando garantiu aos autarcas do distrito de Beja, que o Estado iria abrir a portagem da A-26 na sua ligação até ao concelho de Ferreira do Alentejo. Pedro Marques foi confrontado com o incumprimento da sua palavra e o candidato limitou-se a argumentar que a sua posição de candidato não lhe permitia falar sobre o assunto. Percorreu os pavilhões da feira, acompanhado de alguns autarcas e dirigentes do seu partido para anunciar aos jornalistas que o Governo de que fez parte “criou 350 mil empregos, e arrancou 180 mil pessoas à pobreza”.

A prestação do candidato socialista também foi afectada pela ausência de António Costa. Rui Garrido, presidente da Associação de Criadores de Ovinos do Sul (ACOS) foi o porta-voz do mal-estar que se gerou.” Não sei se o Alentejo e, particularmente, Beja está fora do seu calendário se não, mas o que é lamentável é que não venha mais um ano à Ovibeja”.

Então também és separatista?

Aguardava-se com alguma expectativa o impacto que a visita do líder do partido Aliança, Pedro Santana Lopes, e de André Ventura, da coligação Basta – Chega, teriam na organização distrital do PSD, ambos ex-dirigentes deste partido.

Mas foi sobretudo a chegada de Santana Lopes, poucos minutos de antes de Rui Rio, que gerou alguns constrangimentos. A ponto de um militante social-democrata ter perguntado a outro que se encontrava meio escondido atrás de um quiosque: “Então também és separatista? A resposta não se tornou audível como de outro ex-militante do partido de Rui Rio. “Já foi do PSD agora sou do Santana. Aliás no PSD já era seu apoiante”, confidenciou ao PÚBLICO, a quem pediu o anonimato, com o argumento: “Não quero cá problemas”. Não estão desavindos e continuam amigos, sempre disponíveis para uma piada à circunstância do encontro, desta vez sob bandeiras diferentes na cor, “mas não faz mal” comentava outro.

Na chegada à feira, Santana Lopes ditou a palavra de ordem que deve ser assumida em Bruxelas onde se deve “beijar menos a mão e bater mais o pé”.

André Ventura, foi mais discreto na sua visita à Ovibeja. Percorreu a feira, visitou o pavilhão da EDIA para aprofundar a sua informação sobre Alqueva e perguntou se a União Europeia financiava o novo regadio. Ficou a saber que não. O investimento será suportado por um empréstimo do Banco Europeu de Investimentos.

O fenómeno da imigração para a agricultura intensiva é encarado pelo líder da coligação Basta-Chega como um “problema grave do ponto de vista social”. E adianta que o seu partido vai apresentar um Plano Nacional de Coesão, para tratar dos problemas associados à imigração.

 A deslocação de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, e de Catarina Martins, líder do BE, ficou condicionada o imbróglio à volta da Lei de Bases da Saúde, que realçou as divergências entre os partidos que integram a chamada “geringonça”. Já a delegação do PS na Ovibeja, liderada por Ana Catarina Mendes, teve um discurso que passou ao lado da questão que está a dividir a esquerda.

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