Marcelo é quem manda na Saúde

O PS acabou por reconhecer o óbvio: que, em questões cruciais de regime, está muito mais perto dos social-democratas do que dos comunistas ou bloquistas

O destino da Lei de Bases da Saúde proposta pelo Governo está cada vez mais perto do guião definido pelo Presidente da República e cada vez mais longe da narrativa defendida pela ala mais à esquerda do partido, com a ministra da Saúde, Marta Temido, à cabeça. Depois de o PS e o Governo se terem enlevado com o desejo de um Sistema Nacional de Saúde blindado à participação dos privados, o “irrealismo” desta proposta denunciada por Marcelo Rebelo de Sousa e por outras figuras imunes aos preconceitos ideológicos do Bloco e do PCP acabou por prevalecer. O PS, que no princípio se mostrava mais seduzido por um acordo à esquerda do que a um diálogo com o PSD, acabou por reconhecer o óbvio: que, em questões cruciais de regime, está muito mais perto dos sociais-democratas do que dos comunistas ou bloquistas.

Marcelo foi o actor principal desta novela que faz o PS migrar da esquerda para o centro e pode  afirmar-se sem grande margem para erro que o design da próxima lei de bases deve ostentar a sua assinatura. O Presidente pediu um consenso alargado, chegou a exorbitar das suas funções quando ameaçou com um veto a uma lei subscrita em exclusivo pela esquerda, criticou a pressa em aprovar uma lei de bases com esta sensibilidade a meses das legislativas e disse sem rodeios que a exclusão dos privados e do sector social da gestão do SNS não era “possível”. Ao fazê-lo, o Presidente acabou por ajudar o Governo na árdua decisão de trocar a ambição de um acordo exclusivo à esquerda por uma proposta palatável para o PSD.

António Costa aproveitou a boleia porque percebeu que nada tinha a ganhar numa guerra com o Presidente e também porque deu conta que a construção de uma lei de bases que fazia recuar a gestão do SNS 30 anos no tempo seria hostilizada pelo eleitorado moderado que precisa de cativar para as eleições de Outubro. Mesmo que acabe a complementaridade entre o público e o privado no SNS, a exclusão dos privados e do sector social parece estar afastada. Ao evitar a polarização, António Costa coloca o PS e o Governo no seu rumo e alicerça a boa relação entre São Bento e Belém. Como incómodo fica apenas a posição da sua ministra da Saúde. Todos os seus esforços para enterrar a proposta da comissão de Maria de Belém Roseira e dar a mão ao Bloco e ao PCP falharam. Ficará agora a vestir um fato de que manifestamente não gosta – nem lhe fica muito bem.

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