O teu smartphone tem o planeta dentro

Olha à tua volta. Quantos objectos de utilização diária estão ligados à exploração de um recurso geológico? Eu digo-te: todos! E todos, sem excepção, acarretam algum tipo de impacto sobre o planeta.

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ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Um dos paradoxos do actual mundo desenvolvido centra-se na dicotomia entre protecção ambiental e conforto material. A progressiva deslocalização da produção industrial para Oriente e o afastamento da maioria dos cidadãos dos trabalhos braçais afastou-nos da actividade que verdadeiramente sustenta o desenvolvimento económico: a exploração dos recursos naturais. Ao mesmo tempo, particularmente nos países altamente desenvolvidos, a mediatização de conceitos como “energia limpa” e “sustentabilidade”, tem criado:

  1. Movimentos que se opõem a toda e qualquer operação de carácter extractivo — especialmente se esta ocorrer no seu “quintal”;
  2.  A falsa percepção de que é possível produzir objectos e energia sem que haja impactos de algum tipo. Esta percepção agrava-se com a concentração da população em cidades, onde os produtos chegam limpos, embalados, prontos a consumir.

Olha à tua volta. Quantos objectos de utilização diária estão ligados à exploração de um recurso geológico? Eu digo-te: todos! E todos, sem excepção, acarretam algum tipo de impacto sobre o planeta.

Comecemos pela higiene matinal e com a pasta de dentes. Na sua composição contém, entre outros elementos, fluoreto de sódio, carbonato de cálcio e sílica. O fluoreto de sódio — o famoso flúor — é obtido neutralizando ácido fluorídrico, um subproduto da produção de fertilizantes através do processamento de fluorapatite — um mineral que ocorre, por exemplo, nas Minas da Panasqueira. O carbonato de cálcio — que permite uma abrasão suave — é obtido principalmente da moagem de calcite, um mineral de baixa dureza que forma todos os calcários e mármores do mundo. A sílica pode estar presente sob a forma de mica — a maior classe de minerais constituintes das rochas, os silicatos — e permite adicionar brilho à pasta. Sabão, maquilhagem, cremes: todos contêm elementos obtidos através do processamento de minerais.

Na confecção de alimentos, o gás natural é extraído da subsuperfície com recurso a técnicas e infra-estruturas complexas. Se tiveres uma placa de indução de vitrocerâmica, esta é fabricada com uma mistura de lítio (presente em rochas denominadas pegmatitos, de que Portugal possui as maiores reservas na Europa e cuja prospecção é já alvo de contestação), silício (extraído principalmente de rochas quartzíticas) e óxidos de alumínio, sob as quais existe uma bobine de cobre, um mineral metálico normalmente extraído dos minérios calcopirite, bornite e covelite como os que são explorados na Mina de Neves-Corvo. Os utensílios de aço inoxidável são produzidos utilizando uma mistura de ferro (obtido da exploração dos minérios magnetite, hematite e siderite), crómio (a partir do processamento de cromite, um óxido de ferro encontrado em peridotitos, rochas formadas no manto superior) e níquel — explorado em solos de origem tropical.

Independentemente do meio de transporte que elegeres, este é construído com uma multiplicidade de metais e move-se graças à produção de combustíveis derivados de petróleo que, tal como o gás, são extraídos de reservatórios rochosos na subsuperfície em diversos ambientes geológicos. Se for eléctrico, para além dos metais usados na sua construção, as baterias terão elementos como lítio, níquel, alumínio, manganês, cobre, grafite, e cobalto — muitos deles provenientes de países subdesenvolvidos onde a protecção ambiental e humana é inexistente — e a energia eléctrica para o mover terá sido muito provavelmente produzida com recurso à queima de carvão ou gás ou em parte produzida através de fontes renováveis. E até estas envolvem a exploração de recursos geológicos. Os painéis solares, cujo componente principal é o silício puro, são fabricados através do processamento de areias quartzosas ou quartzo puro por forma a extrair o silício, posteriormente tratado com fósforo ou boro e ao qual é aplicado uma camada de dióxido de titânio. Todos são extraídos de minerais. As torres eólicas são fabricadas com ligas metálicas e as suas pás de plástico com reforço de fibras de vidro são feitas a partir de areias ricas em sílica, argilas cauliníticas (semelhantes às utilizadas na porcelana), fluorite, entre outros minerais.

E o plástico, que pela sua versatilidade e baixo custo se tornou praticamente omnipresente na nossa vida? É sintetizado quimicamente mas os polímeros orgânicos utilizados no fabrico de polietileno — o plástico mais comum — são praticamente todos hidrocarbonetos sintetizados na indústria petroquímica a partir do petróleo.

Todos os objectos, sem excepção, são fabricados a partir de um recurso natural finito cuja exploração tem invariavelmente impacto ambiental. Assim sendo, ao opores-te à exploração de um qualquer recurso geológico da tua região (um direito que te assiste), lembra-te que o teu carro, o telemóvel, o painel solar, a pasta de dentes, a electricidade existem porque se exploraram recursos geológicos no “quintal” de alguém. É claro que esta exploração deverá ter sempre presente a preservação ambiental, no entanto o que me parece imperativo é que os cidadãos — em particular os jovens que agora começam a despertar para estas questões — tenham consciência de que a única forma de atingirmos sustentabilidade é a redução drástica do consumo. Ainda assim, e a não ser que queiramos regressar ao Paleolítico, será sempre necessário explorar recursos geológicos. Afinal, a história da humanidade está intrinsecamente ligada à exploração dos recursos naturais e não é por acaso que a pré-história é dividida em idade da pedra, do bronze e do ferro.

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