A Alemanha entre a chinesa Huawei e os EUA: a economia vem primeiro

Existe uma quase perfeita simbiose entre a Alemanha e a China: se, por um lado, a Alemanha necessita de mercados, pelo outro, a China necessita de tecnologia.

A Alemanha vai recorrer a tecnologia para 5G da empresa chinesa Huawei, apesar dos alertas deixados pelos EUA, o que já seria de alguma forma expectável...

Trata-se de uma decisão em que a economia parece surgir em primeiro lugar, tal como tem vindo a ser apanágio da Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial e de forma cada vez mais marcada nos últimos anos.

Com efeito, a relação Alemanha-EUA assenta sobretudo na partilha de valores e na questão securitária. Os EUA desempenharam um papel essencial na recuperação da soberania e da independência da Alemanha no pós Segunda Guerra Mundial, tendo igualmente sido centrais aquando da reunificação alemã.

No entanto, e desde o início, são conhecidas as divergências entre Donald Trump e Angela Merkel acerca das questões climáticas, da NATO e da crise dos refugiados, apenas para dar alguns exemplos. Comparativamente àquela que foi a relação de Merkel com Barack Obama (em cuja presidência as comunicações móveis da chanceler chegaram a ser também espiadas, como se viria a saber) e, antes disso, com George W. Bush, a relação com Trump parece ser a mais distante e menos empática. Basta que se recorde aquele episódio em Março de 2017 em que, perante o pedido dos jornalistas para que Merkel e Trump dessem um aperto de mão, o mesmo acabou por não acontecer porque o Presidente parece ignorar e, talvez até, desconsiderar o pedido.

Já a relação Alemanha-China assenta essencialmente na economia e na tecnologia. Existe uma quase perfeita simbiose entre a Alemanha e a China, pois, se por um lado, a Alemanha necessita de mercados, pelo outro, a China necessita de tecnologia. Note-se igualmente, neste sentido, que a China é o mais importante mercado de consumo mundial para as máquinas alemãs, o terceiro maior comprador de carros alemães e o maior cliente alemão na área da electrónica.

E a verdade é que após aquele incidente inicial em torno do Tibete, resultante da recepção de Dalai Lama em Berlim que originaria a suspensão (temporária) de todos os contactos políticos entre a Alemanha e a China, Merkel tem mantido excelentes relações com a China. São frequentes as visitas oficiais entre os líderes de ambos os Estados.

Deste modo, e colocando de lado as diferenças existentes no que respeita à política, a China é encarada como parceiro confiável e não como adversário, e desempenha mesmo o papel de maior parceiro asiático da Alemanha. Aliás, e de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, pelo segundo ano consecutivo, a China corresponde ao maior parceiro comercial da Alemanha, estando, portanto, à frente da Holanda e dos EUA.

Até à data, existe um envolvimento das empresas alemãs na China (mais de 5000) que é maior do que aquele que as empresas chinesas dispõem na Alemanha (cerca de 900). Porém, a Estratégia Made in China 2025, destinada a reforçar a posição da China em áreas-chave da tecnologia, já resultou nos primeiros meses de 2017 na aquisição chinesa de um maior número de empresas na Alemanha. São tidas como áreas prioritárias para o envolvimento chinês na Alemanha: a construção de máquinas, a electrónica, os bens de consumo, as tecnologias de informação e comunicação.

Neste contexto específico, e sendo a Huawei líder na tecnologia da rede 5G e a cobertura da rede 4G na Alemanha uma das piores na Europa, seria de esperar que a Alemanha, enquanto Technologieführer (líder em tecnologia), não pretenda ficar para trás no que respeita à rede 5G e trate de aproveitar o know-how chinês para adquirir vantagem, recorrendo aos seus equipamentos (já presentes nas anteriores redes).

Até porque se espera que à rede 5G passem também a estar ligados à Internet e aptos à troca de dados: veículos, electrodomésticos e outro tipo de máquinas industriais. A Internet vai deixar de ser apenas algo próprio do consumo, usada pelos PCs, smartphones e tablets, para passar a ser algo industrial, capaz de permitir futuramente que o mundo esteja ligado e a funcionar em rede e de forma inteligente. E a Alemanha tem inclusivamente, desde 2017, um documento intitulado 5G-Strategie für Deutschland (A Estratégia 5G para a Alemanha), no qual começa desde logo por manifestar o seu interesse em beneficiar de uma introdução o mais antecipada possível da tecnologia 5G, sublinhando a oportunidade de se tornar um líder inovador numa tecnologia-chave para o futuro.

Na selecção apresentada, nesse mesmo documento, de centros alemães de investigação da rede 5G, distribuídos por praticamente toda a Alemanha, a Huawei encontra-se presente em Munique, terceira maior cidade alemã e um forte centro económico, sede da BMW e da Siemens AG, que também integram o centro de investigação aí criado.

O documento em causa identifica ainda seis áreas para aplicação da rede 5G na Alemanha: a saúde, a agricultura, a indústria, a mobilidade, os serviços básicos (água, electricidade...) e os media. A ideia passa por obter uma melhor gestão e uma maior eficiência das mesmas, recorrendo ao digital.

Ora, face ao desafios trazidos para a sua indústria automóvel, uma das mais fundamentais da sua economia, com o Dieselgate e o fabrico e o desenvolvimento de veículos eléctricos e veículos de condução autónoma, face à necessidade que a Alemanha tem de recursos (seja de energia, seja de matérias-primas) para o funcionamento das suas indústrias e de os gerir de forma mais eficiente e ecológica para respeitar as suas preocupações ambientais, seria expectável que a Alemanha colocasse a liderança da rede 5G nas suas prioridades e que recorresse à China, outro grande poder económico com quem tem mantido consideráveis relações nos últimos anos e que parece dispor de liderança da tecnologia da mesma através da empresa Huawei.

Refira-se também que, apesar da inexistente afinidade política, ideológica e cultural, a Alemanha tem apostado, a par das relações económicas, em incrementar as relações culturais com a China, tendo-se verificado, entre outros, a abertura de um maior número de representações do Goethe-Institut no país. Através da difusão da língua e cultura alemãs na China, e da inevitável troca e intercâmbio que daí advém com a língua e cultura chinesas, a Alemanha procura aproximar-se da realidade chinesa e melhorar o entendimento e a empatia entre ambos, desenvolvendo e consolidando, consequentemente, ainda mais as relações económicas existentes.

De facto, a Alemanha é acima de tudo um poder económico, uma Exportnation (nação exportadora), e essa é a sua primeira e principal orientação quando se trata de tomar decisões como esta: salvaguardar a sua economia e a importância da marca made in Germany no que à inovação tecnológica diz respeito.

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