Desde 1989, mil crianças por ano ligaram para a Linha SOS Criança

A Linha SOS Criança foi criada pelo Instituto de Apoio à Criança que inaugura esta terça-feira uma nova sede em Lisboa.

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O Instituto de Apoio à Criança vai agora passar para a Avenida da República, em Lisboa Rui Gaudêncio

Nos seus 30 anos de existência, a Linha SOS Criança recebeu mais de 91 mil chamadas, das quais cerca de um terço feitas por crianças que ligaram directamente a reportar uma situação de abuso ou de maus tratos na família – ou fora dela. Foram 30 mil crianças desde 1989.

Também ligam por algo que corre mal na escola – quando não estão a aprender ou porque vivem uma situação de bullying. Há ainda os casos de crianças e jovens que telefonam para partilhar com um adulto a sua tristeza ou angústia, diz o psicólogo Manuel Coutinho, coordenador da linha de emergência para crianças e secretário-geral do Instituto de Apoio à Criança (IAC), no âmbito do qual foi lançada a linha de emergência.

O IAC, que completa este ano 36 anos, inaugura nesta terça-feira a sua nova sede em Lisboa, na presença do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do primeiro-ministro e do presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Foi fundado em 1983 por um grupo de profissionais de várias áreas – médicos, magistrados, professores, psicólogos técnicos de serviço social ou educadores. Existe como instituição particular de solidariedade social (IPSS) e “a sua grande aposta é a prevenção das situações de perigo”, mas também a intervenção directa, diz ainda Manuel Coutinho.

Em 1989, a SOS Criança “foi inovadora por dar, pela primeira vez, a voz à criança” sem necessidade da intermediação de um adulto, salienta Manuel Coutinho. E isso fez toda a diferença: “Antes disso, se os pais não fossem apresentar a situação, não haveria conhecimento da situação de mau trato. A partir daí, aparece um serviço anónimo e confidencial para onde as crianças podem ligar" por sua própria iniciativa, realça o psicólogo clínico.

Nessa altura, os serviços – de saúde, de ensino, ou outras entidades – não estavam ainda sensibilizados para a existência de situações de perigo que não estivessem nos registos. “Quando encaminhávamos a situação, diziam-nos que não havia registo de maus tratos dessa criança. Nós pedíamos que a situação fosse averiguada e comprovava-se que a criança estava em risco ou em perigo”, recorda.

Ajuda ou reencaminhamento

Muita coisa mudou desde então e hoje com a frequência das situações de violência doméstica a que estão expostas, muitas crianças ligam por esse motivo, e alguns casos “não se agravam ainda mais porque as crianças pedem ajuda ao IAC”. 

Das 91.038 chamadas recebidas desde 1989 (feitas essencialmente por familiares que têm problemas a reportar relacionados com as suas crianças, vizinhos, professores e educadores), houve reencaminhamento de 13.300 situações para escolas, hospitais, tribunais ou comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ).

As CPCJ foram criadas a partir de 1999, com a entrada em vigor da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Como refere a presidente honorária do IAC, Manuela Ramalho Eanes, num texto escrito em 2017, o IAC é anterior à assinatura em 1989 da Convenção da ONU para os Direitos da Criança. 

A SOS Criança iniciou consultas de atendimento psicológico gratuito nas instalações do IAC em 2001. Nestes 17 anos, os psicólogos da linha realizaram 1680 atendimentos – cerca de 100 por ano.

A Escola Alfaiate, o mais recente projecto em estabelecimentos de ensino do IAC, nasceu da constatação de que era preciso pensar a escola “à medida de cada aluno”, explica Manuel Coutinho. O projecto-piloto, lançado em 2017 em cinco estabelecimentos de Lisboa, consiste em apoiar os alunos e a comunidade escolar, para a escola se adaptar à especificidade de cada aluno, e não o contrário, e pretende alargar-se a todo o país.

“Quando se avalia o sucesso ou insucesso escolar, esquecemo-nos muitas vezes que aquela criança pode estar a viver numa situação muito adversa”, diz ainda Manuel Coutinho. “Basta ter uma carência alimentar ou um ambiente hostil na família.” 

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