Jerónimo de Sousa: o "jornalismo rigoroso" deve combater "mentira difundida"

Para combater a informação falsa, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução na qual defende medidas para reforçar a protecção dos dados pessoais nas redes sociais e combater a manipulação das eleições. PAN e Verdes também estão preocupados com o fenómeno.

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Jerónimo de Sousa preocupado com "invenção para propagar determinado tipo de ideias ou atacar os outros" Daniel Rocha

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, defende que o combate à informação falsa, a que também se chama fake news, deve começar nos órgãos da comunicação social, através de "jornalismo rigoroso" com "critérios deontológicos" e "denúncia da mentira difundida".

"O combate às fake news deve começar, desde logo, a partir dos órgãos de comunicação social. A ideia de que elas são exteriores a estes é, tão só, a tentativa de apresentar como bom um certo tipo de jornalismo alinhado e orientado, a partir de centros de informação para desenvolver campanhas predeterminadas", disse à Lusa o líder do PCP.

Para Jerónimo de Sousa, que falava à Lusa a propósito da conferência, a realizar em 21 de Fevereiro, em Lisboa, e organizada pelas agências noticiosas de Portugal e Espanha, Lusa e Efe, com o título "O Combate às Fake News - Uma questão democrática", "o jornalismo rigoroso e conduzido por critérios deontológicos inerentes a essa actividade é uma contribuição não pouco importante para as combater, seja pelo rigor e a verdade, como critérios na veiculação da informação, seja pela denúncia da mentira difundida".

"Notícias falsificadas são o que o seu nome indica: mentira e deturpação e a maioria das vezes a invenção para propagar determinado tipo de ideias ou atacar os outros", definiu Jerónimo de Sousa.

As fake news, comummente conhecidas por notícias falsas, desinformação ou informação propositadamente falsificada com fins políticos ou outros, ganharam importância nas presidenciais dos EUA que elegeram Donald Trump, no referendo sobre o Brexit no Reino Unido e nas presidenciais no Brasil, ganhas pelo candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro.

O Parlamento Europeu quer tentar travar este fenómeno nas europeias de Maio e, em 25 de Outubro de 2018, aprovou uma resolução na qual defende medidas para reforçar a protecção dos dados pessoais nas redes sociais e combater a manipulação das eleições, após o escândalo do abuso de dados pessoais de milhões de cidadãos europeus.

PEV preocupado com manipulação

Também o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) encoraja à existência de uma "comunicação social plural e contraditória" para combater o mesmo fenómeno, sem esquecer a necessidade de "cidadãos com espírito crítico, rigoroso, exigente e com capacidade de reflexão analítica".

"As fake news só poderão ser contrariadas, não surtindo o efeito pretendido, se tivermos uma comunicação social plural e contraditória, consumida por cidadãos com espírito crítico, rigoroso, exigente e com capacidade de reflexão analítica", disse à Lusa a dirigente do PEV Manuela Cunha, para quem devem ser “usados todos os instrumentos legais e constitucionais já existentes, para proibir todas as formas de incitação à violência, racismo, xenofobia e todas as formas de discriminação".

"A questão das notícias falsificadas não é algo de novo neste mundo da comunicação. Actualmente, adquiriu o nome mais globalizante de fake news, mas noutros tempos chamavam-se boatos ou falsas notícias. O que difere actualmente são a forma e velocidade com que são propagadas, nomeadamente devido à forte implantação, dispersão e diversidade das redes e meios de comunicação social (...) e, através das redes sociais, não terem origem apenas em grupos organizados mas também em actos individuais", considerou Manuela Cunha.

Para a dirigente, "as fake news têm sempre como objectivo manipular os cidadãos mais incautos, que tomam por verdade absoluta tudo o que é veiculado numa dita notícia, sem acautelarem a sua origem e terem a capacidade de conexão com redes de verificação”: “As fake news são uma arma poderosa que, muitas vezes, alimenta e promove o ódio, a xenofobia, o racismo e outras formas de discriminação e de actuação dos cidadãos", disse ainda, acrescentando que "normalmente manipulam socialmente e a manipulação nunca é positiva".

PAN e o “exemplo”

No mesmo sentido, o deputado único do PAN, André Silva, defendeu que devem ser os órgãos de comunicação social a "marcar o exemplo" e a "fazer a diferença", para evitar a disseminação daquele tipo de falsa informação. "É preciso que os órgãos de comunicação social tradicionais marquem a diferença e sejam o exemplo", disse, acrescentando que, quando os órgãos de comunicação social tradicionais "produzem notícias sem isenção, rigor ou ética jornalística, o que aliás já tem ocorrido e sem consequências de reprovação deontológica, estão a colocar em causa uma mensagem pedagógica fundamental, de passar aos públicos de que há diferenças de credibilidade entre meios informativos".

Para André Silva, "são precisos novos padrões de produção de notícias por parte dos media convencionais".

"As noções de objectividade e de imparcialidade e a tentativa jornalística de mostrar os dois lados de uma história (quando ocorre) não funcionam em contextos autoritários e populistas, uma vez que estes discursos, pelas suas características, exigem posições esclarecedoras e não uma mera reprodução daquilo que determinadas figuras vão apresentando como verdades, contra todas as evidências científicas e, muitas vezes, contra os direitos fundamentais democráticos que têm sido conquistados", afirmou.

O porta-voz do PAN considerou que "a falta de informação e de transparência só reforça esta tendência à desconfiança generalizada entre as pessoas, os grupos e as instituições".

"E isto tem um forte impacto nas manifestações de intolerância, de violência e de ódio, muitas vezes com base em suposições completamente desajustadas da realidade", alertou.

Embora aquelas mensagens falsas sejam disseminadas sobretudo através das redes sociais, André Silva lembrou que "sempre existiram, em Portugal e no mundo, fake news e divulgação de rumores com intuitos propagandísticos e com desastrosas consequências históricas".

Além disso, advogou, "este fenómeno não é apanágio exclusivo da era da comunicação em rede e do contexto das redes sociais".

"A história dá-nos vários exemplos concretos de situações em que o jornalismo tradicional, a academia, a ciência, a cultura e outras instituições serviram para doutrinar a população e convencer os cidadãos de realidades completamente opostas às que efectivamente aconteciam", disse.

Para André Silva, há ainda "o factor lucrativo: uma polémica e uma situação controversa que gera indignação social, oposição e muito antagonismo emocional, offline e online, aumenta as audiências e movimenta vários negócios".

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