Automotoras alugadas a Espanha chegam à CP a conta-gotas

CP vai pagar 4,6 milhões de euros até 2022 pela utilização de quatro automotoras a diesel da mesma série daquela que na quinta-feira perdeu um motor na linha do Minho. A última só chega em Setembro.

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Nelson Garrido

Uma portaria conjunta das secretarias de Estado do Orçamento e das Infraestruturas autoriza a CP a gastar 4,6 milhões de euros até 2022 no aluguer de quatro automotoras a diesel da operadora espanhola Renfe. Contudo, as máquinas virão para Portugal a conta-gotas visto que só uma entrará em circulação nas próximas semanas, estando prevista outra ainda para Fevereiro, outra para Junho e outra para Setembro.

Quando em Julho do ano passado, em plena crise ferroviária, o ministro do Planeamento e das Infraestruturas Pedro Marques anunciou que a CP iria alugar mais material circulante a Espanha, fonte oficial da Renfe disse ao PÚBLICO que a operadora espanhola tinha todos os seus comboios em circulação pelo que não poderia ceder mais material a Portugal.

Seis meses depois a CP conseguiu que a sua congénere do país vizinho cedesse uma primeira unidade, à qual se seguirão as restantes três nos próximos nove meses.

Actualmente, a CP já possui 20 automotoras a diesel alugadas a Espanha, todas da série 592 (também designadas por ‘camelas’ na gíria ferroviária dos dois países por terem os aparelhos do ar condicionado instalados no tejadilho fazendo lembrar bossas), pelas quais paga sete milhões de euros por ano (350 mil euros por unidade).

Este material presta serviço nas linhas do Oeste, Douro e Minho, tendo sido nesta última, em Afife, que na noite da passada quinta-feira uma das automotoras perdeu um motor em andamento.

Ontem, a CP explicou, em comunicado, que “esta ocorrência terá ficado a dever-se à fractura do veio de transmissão entre um motor diesel e a caixa de transmissão que terá originado a quebra de um dos apoios do motor diesel”.

Os 15 passageiros a bordo – que seriam depois encaminhados de táxi para os seus destinos – acabaram por “só" apanhar um valente susto quando o motor foi arrastado debaixo da composição provocando uma chuva de balastro (pedras) sob a carruagem. Mas o incidente poderia ter redundado em descarrilamento se tivesse sido um motor da primeira carruagem a cair, e não o do terceiro (e último) veículo da automotora.

A CP diz que fará “as necessárias análises técnicas para apurar as circunstâncias e causas desta ocorrência, bem como eventuais medidas preventivas e correctivas que se revelem necessárias”, mas isso implicará um intenso diálogo – que poderá revelar-se tenso – com a Renfe, visto que a manutenção destas automotoras é repartida entre os espanhóis e portugueses.

À Renfe compete fazer a manutenção pesada das suas automotoras, tendo a EMEF (empresa da CP) a responsabilidade da manutenção ligeira. Esta última é feita mediante um plano de manutenção fornecido pelos espanhóis que especifica um conjunto de tarefas que estes devem executar em cada revisão periódica. Resta saber se a verificação do eixo que suporta o motor faz parte dessa lista e/ou por que não foi identificada qualquer fissura que indiciasse a fractura do veio de transmissão.

Em todo o caso, estará provavelmente associado um problema de fadiga de material visto que estas automotoras, tal como as portuguesas, também não são novas – foram construídas entre 1981 e 1984 e já fizeram milhões de quilómetros em Espanha, tendo sido alugadas, já em final de vida útil, a Portugal.

Nos próximos dias a EMEF deverá proceder a um exame a todas as automotoras espanholas para verificar o estado dos eixos de transmissão.

E os comboios eléctricos?

Foi em 27 de Julho do ano passado que o ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques anunciou que “vamos reforçar o aluguer de material circulante e eléctrico e a diesel” para resolver o problema das supressões na CP.

A 3 de Setembro, o mesmo ministério divulgava a assinatura de um protocolo entre a CP e a Renfe que incluía “a realização de testes técnicos com vista ao aluguer de unidades eléctricas pela empresa portuguesa [CP]”. No mesmo dia, o secretário de Estado dos Transportes, Guilherme de Oliveira Martins, afirmava à Lusa que “há uma intenção firme, quer da CP quer da Renfe, para termos a primeira unidade eléctrica também em 2019. Isso é muito importante para nós”.

O PÚBLICO questionou o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas sobre esta intenção de alugar comboios eléctricos a Espanha, mas não obteve resposta. Por seu lado, a empresa pública CP recusou ao PÚBLICO o acesso ao protocolo assinado com a sua congénere pública Renfe sobre o aluguer de material circulante.

A promessa de Pedro Marques em alugar comboios eléctricos a Espanha contradiz declarações anteriores do ministro que, dois anos antes, não autorizou um plano da CP (à época gerida por Manuel Queiró) que previa alugar material eléctrico de longo curso para responder ao forte crescimento da procura e fazer face aos desafios da liberalização do transporte ferroviário de passageiros.

À época, o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas respondeu ao PÚBLICO que “o Governo optou por não dar andamento à intenção do anterior executivo de privilegiar e perpetuar a solução de aluguer de material circulante, estando a ser desenvolvidas análises complementares para o eventual reforço de oferta”.

A crise ferroviária, porém, obrigou o executivo a mudar de ideias e a reforçar o aluguer de material diesel a Espanha. Quanto aos comboios eléctricos, permanecem um segredo que nem a CP nem o Governo revelam.

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