Morreu Ana Maria Freitas, a investigadora que desbravou a obra do Pessoa ficcionista

Editora e estudiosa da ficção policiária e dos contos de Fernando Pessoa, colaborou também na edição da sua poesia ortónima.

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Morreu esta segunda-feira, aos 70 anos, a pessoana Ana Maria Freitas, a grande responsável pela decifração, edição e estudo da ficção policiária e da restante prosa narrativa de Fernando Pessoa.

Doutorada com uma tese sobre a escrita policial de Pessoa, O Fio e o Labirinto, publicada em 2016 pela Colibri, era investigadora do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e integrava ainda a equipa do projecto Modernismo Online: Arquivo Virtual da Geração de Orpheu.

Fernando Cabral Martins, que colaborou com Ana Maria Freitas em duas antologias publicadas na colecção Pessoa Breve da Assírio & Alvim – uma dedicada às novelas policiárias e outra aos contos –, sublinha o trabalho pioneiro da investigadora na edição da narrativa pessoana.  

Só um profundo conhecimento desta pouco estudada dimensão da obra pessoana, à qual se dedicava há muitos anos, lhe “permitiu mapear este continente da prosa narrativa”, diz Cabral Martins. Um mundo feito de “textos quase sempre fragmentários, e por vezes muito incompletos”, nota, que Ana Maria Freitas leu e decifrou, e que também traduziu, quando os originais eram em inglês.

“Era uma coisa extraordinária ver como conseguia estabelecer ligações entre fragmentos soltos e que pareciam totalmente díspares, mas que de repente ganhavam sentido”, conta ainda Cabral Martins, para quem a investigadora “cumpriu um papel muito especial” no âmbito das edições pessoanas.

Também a sua amiga Manuela Parreira da Silva, com quem Ana Maria Freitas publicou na Assírio & Alvim, em 2005 e 2006, os três volumes da poesia ortónima de Fernando Pessoa, destaca o papel “completamente pioneiro” que esta desempenhou, quer na edição, quer no estudo da narrativa pessoana e, em particular, da sua ficção policial, defendendo que ainda hoje não se publicou nada a esse respeito que esteja ao nível da sua tese de doutoramento. 

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“Estávamos sempre em contacto e ajudávamo-nos muito uma à outra no trabalho de decifração”, conta Manuela Parreira da Silva, que co-editou ainda com Ana Maria Freitas o volume Cartas, Visões e Outros Textos do Sr. Pantaleão (Assírio & Alvim, 2014), que divulgou 39 inéditos pessoanos.

Mas o essencial do trabalho de Ana Maria Freitas enquanto editora e exegeta da prosa narrativa de Pessoa está plasmado em cinco volumes publicados na Assírio & Alvim, dois dedicados à ficção policiária – o monumental Quaresma Decifrador (2008), com quase 500 páginas, e Histórias de um Raciocinador e o Ensaio “História Policial” (2012) –, aos quais se somam três sucessivas recolhas de contos: O Mendigo e Outros Contos (2012), A Estrada do Esquecimento e Outros Contos (2015) e A Porta e Outras Ficções (2017).

O velório de Ana Maria Freitas decorrerá a partir das 18h desta terça-feira na Basílica da Estrela, em Lisboa, e o seu funeral sairá na quarta-feira, pelas 15h, para o Cemitério dos Olivais. 

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