2019 – O ano de todos os perigos?

Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019, vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia.

No dia 3 de abril de 2018, num artigo que publiquei neste jornal (“À espera da próxima crise?”), chamei à atenção para os riscos que a economia mundial enfrentava e para a possibilidade de assistirmos, a curto prazo, a uma nova crise económico-financeira com dimensão global.

Os últimos meses parecem ter reforçado as preocupações manifestadas nesse artigo, em particular no que respeita à situação europeia: os principiais índices acionistas europeus registaram fortes quedas nos últimos oito meses (o Eurostoxx50, PSI20 e IBEX 35 caíram, entre final de abril e 24 de dezembro de 2018, mais de 15%); a crise da divida italiana agravou-se (yield da dívida pública italiana a dez anos subiu de 1,79%, em final de abril, para 2,83% em 24 de dezembro de 2018); e as criptomoedas atingiram mínimos dos últimos 15 meses (o valor da Bitcoin caiu cerca de 57% desde final de abril).    

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De igual forma, as sucessivas revisões em baixa das previsões de crescimento económico reforçam as perspetivas de abrandamento da economia europeia. De acordo com a OCDE, o crescimento da zona euro cairá de 2,5%, em 2017, para 1,9% em 2018, 1,8% em 2019 e 1,6% em 2020.

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Em complemento às preocupações anteriores, a Europa enfrentará neste ano de 2019 inúmeros desafios político-económicos-sociais que importa não esquecer (destacaria apenas alguns deles).

Em primeiro lugar, apesar de assistirmos a níveis de desemprego relativamente baixos face ao histórico da última década, o certo é que as mudanças que se observam no mercado de trabalho, em particular com o surgimento de novas tecnologias (ver “Disrupção Tecnológica e Trabalho: Uma Dupla (In)Conciliável?”, PÚBLICO de 7 de agosto de 2018), agravadas pelo crescente desfasamento entre o “tempo” da decisão política e o “tempo” da realidade económica, perspetivam, a curto prazo, uma inversão da trajetória favorável do emprego com consequente pressão acrescida sobre as contas públicas.   

Em segundo lugar, as tensões geradas pela “guerra comercial” desencadeada pelo Presidente norte-americano (ver “Sr. Donald, por favor, não feche a janela”, PÚBLICO de 1 de maio de 2018) não estão ultrapassadas e afetarão negativamente o relacionamento entre os países e, consequentemente, o crescimento da economia mundial (isto apesar de se reconhecerem as limitações atuais à existência de comércio “verdadeiramente livre e justo”).

De igual forma, é expectável que este novo ano seja também caraterizado por um crescimento dos movimentos de contestação popular. Na realidade, a dificuldade em traduzir crescimento económico (ainda que moderado) em ganhos efetivos no nível de vida dos cidadãos (em particular das classes médias) conduziu à ascensão de movimentos populares de contestação dos “poderes instituídos” e que terão ganho uma dinâmica irreversível com o surgimento do “Mouvement des Gilets Jaunes”. Apesar de defenderem muitas vezes o inconciliável (i.e., inscrire dans la constituition l'impossibilté por l'etat de prélever plus de 25% de la richese des citoyenes; augmentation immédiate du SMIC, des retraites et des mínima social de 40%; annuler la dette; etc.), o surgimento destes movimentos não foi entendido pelos políticos como uma oportunidade para se iniciar uma reflexão profunda sobre o funcionamento da Europa tendo-se, ao invés, optado pela adoção das tradicionais respostas políticas de prometer a “quadratura do círculo”.

Por fim, 2019 será o ano em que o processo político iniciado em 2016 – "Brexit" – terá de estar concluído. Na realidade, caraterizada por enormes dificuldades processuais, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista económico e social, a saída do Reino Unido da União Europeia, que inevitavelmente enfraquecerá a Europa, será ainda mais negativa num quadro de “transição desordenada”, na medida em que, para além de não beneficiar nenhuma das partes, reforçará, a médio prazo, os movimentos divisionistas (ao contrário da opinião de alguns que gostariam de ver esta situação como “um caso exemplar”).

Perante os enormes desafios que iremos enfrentar em 2019 (O ano de todos os perigos?), vem-me à memória um fenómeno que se estuda em Economia.

Em alguns leilões, devido a razões emocionais ou de informação incompleta, o vencedor do leilão tende a pagar mais pelo bem leiloado do que o seu valor real (ou o valor real do bem leiloado é menor do que o anteriormente antecipado), conduzindo a que o “vencedor” seja, na realidade, um perdedor (winner’s curse/maldição do vencedor).

Esperemos que nos processos eleitorais que irão ocorrer em 2019 (e em que, normalmente, tudo é prometido aos eleitores), as questões emocionais não sejam preponderantes no processo de tomada de decisão e que a discussão assente na verdade e transparência (minimizando-se a assimetria de informação), evitando-se, desta forma, que a “maldição” caia sobre o “vencedor” (e, consequentemente, sobre os eleitores). 

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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