A Finlândia viajou até Bruxelas com os seus sabores (e não só) de Natal

Mais do que um tradicional mercado, os "Prazeres de Inverno" da capital belga são uma experiência abrangente das sensações e tradições associadas à época da natividade. Este ano a organização convidou a Finlândia a assumir o lugar de destaque do festival e ocupar o centro das celebrações. É por isso que há salmão e glögi, vinho quente onde dominam as notas do mirtilo selvagem.

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Houve chuva em vez de neve na inauguração, mas não a suficiente para encharcar o entusiasmo, desmanchar o cenário e comprometer o ambiente dos “Prazeres de Inverno” preparados pela cidade de Bruxelas para a quadra festiva. Muito mais do que um mercado de Natal, o que a capital belga oferece aos mais de dois milhões de visitantes esperados até 6 de Janeiro é uma experiência abrangente, até mesmo exorbitante, das sensações e tradições associadas à época da natividade. Para isso, este ano a organização foi beber a inspiração directamente à fonte, convidando a Finlândia a assumir o lugar de destaque do festival e ocupar o centro das celebrações.

Ao longo da Rue Auguste Ors, encontramos uma pequena aldeia finlandesa que, garantem-nos, representa na perfeição o “espírito Kalevala”, exportado das florestas de Kajaani, na região de Kainuu, para os arredores do enorme edifício da Bourse, epicamente engalanada com luzes natalícias, como de resto todas as fachadas monumentais e as ruas do centro de Bruxelas.

Ali, no epicentro das festividades, a lenha é utilizada para fumar lentamente o salmão, que pode ser consumido em prato, em pão ou em sopa; os alces e as renas dão o nome às salsichas e as bagas vermelhas não são decorativas, mas antes o ingrediente principal do glögi, a receita de vinho quente onde as notas do mirtilo selvagem dominam e fazem esquecer os sabores cítricos e carregados de especiarias do doméstico vin chaud ou glühwein. Preparado por monges do mosteiro de Valamo, com os frutos silvestres amadurecidos pelo sol da meia-noite, podem experimentar-se duas variedades de glögi branco ou tinto. Feito o teste, é difícil escolher um favorito: mais seco (o primeiro) ou mais robusto (o segundo), ambos são merecedores dos três euros pedidos por cada dose individual. 

Além dos artigos artesanais feitos com os produtos naturais do país — a madeira, a lã, a pele e a pedra —, da gastronomia tradicional e do folclore, o que os finlandeses prometeram trazer até Bruxelas foi o “respeito pela natureza”, o “espírito de convivialidade e partilha” e o “calor” da sua cultura polar. E mesmo só uma observação fugaz da multidão ruborescida que se deliciava com o salmão bastava para concluir que a missão foi cumprida.

Sentados em bancos de madeira em redor de um fogo aberto, num gigantesco tipi que aprendemos se chama kota em finlandês, dezenas de pessoas protegiam-se da chuva e chocavam animadamente os seus copos de glögi fumegantes (e também, mas menos, de gin napue), embalados pelas tentativas de um apreciador da música de David Bowie de replicar as canções do seu ídolo numa versão mais ou menos acústica.

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Além do tipi, também existe o Tikku, o protótipo de uma casa com dez metros de altura e a largura e comprimento de um lugar de estacionamento. Desenhado pelo gabinete de arquitectura Casagrande Laboratory, o edifício experimental serve para transportar — virtualmente — os seus visitantes até ao Parque Nacional Hossa. Quem entra, deixa para trás todo o burburinho da rua e depara-se com as maravilhas da Lapónia em estado selvagem. Como está escrito na fachada, trata-se de uma “Maison du Silence”, pelo que o bulício das luzes, dos sinos e dos guizos fica do lado de fora: uns óculos de realidade virtual e de repente a aurora borealis está à nossa frente, a dançar por cima das copas das árvores. (Outras luzes do Norte correm as magníficas fachadas da Grande Place num espectáculo de luz e som que começa a partir das cinco da tarde, cada vez que o relógio marca a hora certa).

A experiência natalícia finlandesa não ficaria completa sem a visita do Pai Natal, que virá directamente da Lapónia, não num trenó puxado por renas voadoras, mas num voo patrocinado pela Finnair. A sua chegada a Bruxelas coincide com a celebração preferida das crianças belgas, o Saint-Nicolas ou Sint-Niklaas, que durante a madrugada de 6 de Dezembro deixa presentes a quem se portou bem, geralmente na forma de chocolates e biscoitos de speculoos, que são ubíquos na Bélgica — pelo menos desde 1650, data da primeira referência escrita a esta iguaria feita com manteiga, açúcar mascavado e especiarias (canela, noz moscada, gengibre, cravinho, cardamomo), no molde do simpático bispo que viveu no século III.

Não há como negar as semelhanças entre o cristão Sint-Niklaas e o pagão Pai Natal: as longas barbas brancas, as vestes vermelhas, os ajudantes que se encarregam de distribuir os presentes, e, claro, o nome. Mas isso seria assunto para outro artigo e não este — voltemos, por isso, a explorar as maravilhas de Inverno de Bruxelas, e concentremo-nos agora no mercado de Natal.

Com mais de 250 cabanas (chalets, como se diz por estas partes), distribuídas num percurso que toca quase todos os pontos obrigatórios do turismo do centro da cidade, num triângulo que abarca a Grande Place, a Bourse e Sainte-Catherine, o mercado reproduz a natureza cosmopolita e internacional da capital belga, com produtos provenientes dos quatro cantos do mundo — bebidas e comidas, claro, mas também têxteis, jóias, brinquedos, cerâmica, velas, sabonetes, e inúmeros artigos decorativos.

Ao mesmo tempo, expõe orgulhosamente as paixões dos belgas aos visitantes estrangeiros, principalmente pela cerveja, o que explica o enorme pavilhão da cerveja Leffe no meio do percurso. A lógica dos patrocínios a isso obriga, mas o palco não parece desajustado: pelos vários pontos do mapa, há chalets ocupados por produtores de cervejas artesanais e outras bebidas mais ou menos alcoólicas consumidas na época natalícia: abundam os especialistas em vin chaud e em genebras, e nenhuma das bancas onde se vendem ostras ou escargots dispensam o cliente sem um copo de champanhe.

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Quem estiver interessado em conhecer as outras delícias natalícias belgas, encontrará os famosos cuberdons (uma espécie de gomas de fruta com uma capa cristalizada em formato de cone), o tradicional cougnou (um pão de leite tipo brioche, que pode ter diferentes recheios como passas, chocolate ou caramelo salgado) ou o boeuf fumé séché, especialidade conhecida como o filete de Antuérpia.

Num percurso pelo movimentado "boulevard” instalado no Marché aux Poissons, damos de cara com o casal Milena Araújo e Daniel Portelo, de passeio por Bruxelas e pelos recém-inaugurados “Prazeres de Inverno”. A visita foi marcada há meses, e embora Daniel desconfiasse que “era muito provável” encontrar um mercado de Natal, não foi essa a razão que os atraiu à capital belga. Mas foi seguramente um bónus no seu programa — “uma feliz coincidência”, disseram. Depois de umas boas horas a espreitar as cabaninhas, Milena destacava a “grande variedade” de produtos que viu em exposição: recordando uma visita feita noutro ano ao mercado de Natal de Bruges, preferiu a experiência bruxelense. “Gosto de passear, de picar, de experimentar sabores de vários países, e aqui há uma grande diversidade. Bruges tem um ambiente mais idílico, mais romântico, mas penso que aqui é melhor para passear, comer e procurar prendas para oferecer”, comparou.

Pelo seu lado, Daniel “adorou” o carrossel da praça de Sainte-Catherine, onde as crianças pequenas esperam impacientemente uma oportunidade para rodopiar em cima de animais fantásticos ou máquinas mirabolantes. Uma corrida no “Manége de Andrea” custa dois euros e meio, mas o verdadeiro prazer, que é o de apreciar a felicidade infantil naquele mundo bizarro, é de borla. E vale mesmo a pena.

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