Algas, maçãs selvagens e borrego "ao contrário", o Chile de Guzmán no Ocean

Rodolfo Guzmán colocou o Chile no mapa gastronómico mundial com o seu trabalho de pesquisa de ingredientes indígenas e de técnicas do povo mapuche. Agora veio ao Algarve cozinhar com Hans Neuner.

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Rodolfo Guzmán a observar o borrego
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Guzmán com Hans Neuner na cozinha do Ocean
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Os dois chefs durante o serviço
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A preparar o bolo de carabineiro com caldo de raiz de kolof
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Na cozinha do Ocean

A primeira vez que vemos Rodolfo Guzmán, ele está à volta de um borrego aberto ao meio e encaixado num ferro, em forma de cruz, sobre brasas. O chef chileno olha, preocupado, e apalpa o animal para perceber se a carne está cozinhada no ponto desejável àquela hora da noite.

Podíamos estar no mato ou numa praia deserta, mas o cenário é muito diferente: estamos no meio de um dos mais conceituados resorts do barlavento algarvio, o Vila Vita Parc, e a meia hora do início de um jantar a quatro mãos, do ciclo Culin’art, no restaurante Ocean (duas estrelas Michelin).

O chef anfitrião é o austríaco Hans Neuner, que recebeu há poucas semanas, na sua cozinha, o homem que fez com que o mundo gastronómico prestasse atenção ao Chile, que, até há poucos anos, estava totalmente fora do radar. Para o Ocean, Rodolfo trouxe alguns dos pratos, e dos extraordinários ingredientes, que usa no seu restaurante, o Boragó, em Santiago (27.º lugar na lista dos melhores restaurantes do mundo e n.º 4 na lista dos melhores da América Latina).

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Alga kolof assada com "pajarito cream" dr

O borrego “à l’inverse” há-de ficar para o final da refeição, mas como é preciso estar muitas horas sobre o fogo, e como cai uma chuva miudinha, Rodolfo não pode distrair-se. Pincela a carne com um molho e verifica mais uma vez se está tudo bem.

Depois é tempo de voltar para a cozinha e começar a servir os primeiros pratos. Hans Neuner faz, nos seus snacks, uma homenagem à azeitona e à broa de milho e também ao frango piripíri e, de seguida, Rodolfo traz o primeiro prato que exige explicação: kolof é uma alga fumada, de sabor amargo, servida com “pajarito cream”, um tipo de kefir. O Chile é um país com uma longa costa e grande variedade de peixe, marisco e algas (mais de 700), mas na sua maior parte estas não são aproveitadas para a alimentação. Tal como o peruano Virgílio Martinez, do Central (em Lima), também Guzmán percorre o território com uma equipa recolhendo folhas, flores, animais, tudo o que lhe pareça ser comestível e que é depois testado no restaurante.

O trabalho deste chef, que estagiou no restaurante Mugaritz, de Andoni Luis Aduriz, no País Basco, passa precisamente pela recuperação ou redescoberta de muitos produtos autóctones que até há pouco não eram valorizados. Dos mares às montanhas da Patagónia, passando pelo deserto de Atacama, o Chile é um território a desbravar para um chef de cozinha. E uma das grandes referências e fontes de inspiração para Guzmán são os mapuches, povo indígena do centro-sul do país com práticas alimentares muito próprias.

O que ele faz é juntar ingredientes nativos e técnicas que aprendeu com os mapuches e com eles criar uma cozinha própria, que inclui também técnicas e sabores actuais. O segundo prato que apresentou foi abalone com gelado feito de tofu de amêndoas e lavanda – estranho ao ponto de ser desconcertante mas surpreendentemente agradável a partir do momento em que o nosso cérebro consegue ultrapassar o espanto.

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Cabeça de corvina cozinhada na argila dr

Outro prato do chileno foi um bolo de carabineiro, de sabor terroso, num caldo de raiz de kolof, a tal alga, que se assemelhava a um molho de soja mas, esclareceu Guzmán, não era fermentada. Depois de Neuner ter apresentado polvo da costa com milho, feijão mungo e natas ácidas e um molho de figo da Índia, seguido por lagostim com cenoura, calamansi (um citrino) e coco (no que terá sido o melhor prato da noite), Guzmán trouxe para as mesas uma preparação que, no aspecto, ficava a milhas dos sofisticados pratos de fine dining: cabeça de corvina embrulhada em folha de figo e cozinhada em argila, servida com um caldo de alga cenoura sobre folhas de rosas brancas. As cabeças de peixe vinham inteiras até à mesa e os clientes eram convidados a retirar a carne e a comê-la no caldo.

Por fim, o borrego, cozinhado com a técnica que consiste em começar com fogo forte e o animal deitado sobre ele – à medida que as horas passam, o ferro que segura o borrego vai sendo colocado mais próximo da vertical e o fogo vai reduzindo de intensidade. A acompanhá-lo, mini-maçãs da Patagónia (pouco maiores do que azeitonas) embrulhadas numa folha de beringela.

Para terminar, Neuner apresentou uma sobremesa de folhas de cardamomo, caju e papaia e outra de pêra rocha, café e cevada, enquanto o chileno trouxe uma sanduíche de gelado coberta com uma flor especial – chamam-lhe rose of the year e só aparece quando chove no deserto. 

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