Os ganhos e perdas de um OE que quase elimina o défice

De um lado, medidas que reforçam os rendimentos das famílias e previsões de aumento do investimento. Do outro, mais dividendos, menos juros, algumas poupanças e ganhos diversos com o crescimento económico.

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Rui Gaudêncio

Um orçamento, como repete sempre que pode o ministro das Finanças, é feito de equilíbrios e, na última proposta entregue esta legislatura o Governo tenta, mais uma vez, encontrar a combinação de efeitos negativos e positivos para as contas públicas que permitam atingir o objectivo definido para o défice. Do lado dos impactos negativos no défice, estão essencialmente as medidas que conduzem a aumentos de rendimentos potenciais para pessoas e empresas. Do lado dos efeitos positivos, estão aumentos de impostos, medidas que geram poupanças e, pura e simplesmente, o aproveitamento do crescimento económico. Feitas as contas, o resultado é orçamento com o saldo mais próximo do equilíbrio dos últimos 45 anos.

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Com efeito negativo no saldo orçamental

 

Função pública no centro do debate

Foi o tema que dominou as semanas anteriores à apresentação do orçamento, com o Governo a discutir com os sindicatos e os partidos à esquerda as carreiras dos professores e uma eventual actualização salarial para todos os funcionários.

Para já, o OE acaba por prever um valor de 274 milhões de impacto líquido (aumento da despesa menos o correspondente aumento da receita fiscal) para o descongelamento das progressões na carreira e, garante o ministro das Finanças, reservou 50 milhões de euros, e não mais do que isso, para fazer face às actualizações da tabela salarial que possam vir a ser acordadas com os sindicatos até ao final do ano. Com este valor, se se tentar beneficiar todos os funcionários por igual, os aumentos de salários não poderiam ser superiores a cinco euros.

Quando se olha para a evolução da despesa com pessoal, surgem no entanto dúvidas, já que o aumento previsto de 3,1% ou 688,2 milhões de euros, não bate certo com o aumento de 3,7% ou 758 milhões de euros que o Governo tinha antes antecipado apenas para as progressões e o aumento de efectivos, e sem contar com os 50 milhões de euros para os aumentos salariais.

Investimento público mais forte

Um dos indicadores em que o Governo mais tem falhado as previsões orçamentais tem sido o investimento público, apresentando nos OE taxas de crescimento muito fortes que depois acabam por não se cumprir. No OE 2019, a meta apresentada volta a ser ambiciosa, apontando-se para um crescimento de mais de 700 milhões de euros, correspondente a uma variação de 17,1%.

Em 2018, a taxa de crescimento inicialmente prevista tinha sido de 40% e agora, diz o Governo, a meta é de uma variação de pouco mais de 16%. Uma parte deste diferencial, no entanto, é explicado pelo facto de o valor base de 2017 ter sido corrigido em alta pelo INE já depois de o Governo apresentar o OE.

Seja como for, de acordo com as contas do Governo, o peso do investimento público no PIB deverá passar de 2,1% para 2,3% no próximo ano, um aumento de 0,2 pontos percentuais, que é dos mais importantes impactos negativos para o saldo orçamental. O nível atingido, contudo, fica ainda muito distante dos valores registados antes da crise quando o investimento público valia mais de 4% do PIB.

Pensões com actualização extra

Para além do cumprimento da regra de actualização automática, o Governo inclui no OE verbas adicionais para os pensionistas, que são também resultado das negociações feitas à esquerda. Serão 137 milhões de euros para o aumento extraordinário de pensões, mais 66 milhões de euros para a redução da penalização das reformas antecipadas para as longas carreiras e 26 milhões para o complemento extraordinário de pensões mínimas.

IRS com efeito retardado

O OE não faz alterações de vulto no IRS, mas os efeitos das reformas realizadas em anos anteriores continuam a sentir-se e podem dar às famílias um alívio que se reflecte em menos receita para o Estado. O Governo estima que, por via do ajustamento das tabelas de retenção e do pagamento dos reembolsos, o impacto seja de 155 milhões de euros, a que se têm de acrescentar 144 milhões de euros que ainda sobram do processo de eliminação da sobretaxa de IRS.

Prestações sociais reforçadas

O reforço dos apoios sociais para algumas das pessoas em situação mais frágil também fazem parte do OE. O valor mais alto é o relativo à entrada na segunda fase do processo de implementação da prestação social para a inclusão, destinada a pessoas com deficiência. A medida tem um impacto nas contas públicas em 2019 estimado em 155 milhões de euros.

Também significativo é o efeito das mudanças a operar no abono de família, com mais apoios previstos, através de um aumento de despesa de 58 milhões de euros.

Uma ajuda para as empresas

Para as empresas, o ganho mais significativo decorre do fim da obrigatoriedade do Pagamento Especial por Conta. Para as contas públicas, esta medida poderá significar, calculam as Finanças, uma perda de receita de 100 milhões de euros em 2019.

Com efeito positivo no orçamento

Crescimento da economia ajuda

O Governo está a contar com um crescimento de 2,2% em 2019, depois de 2,3% este ano. O ligeiro abrandamento causa dúvidas aos que temem um impacto negativo mais forte em Portugal da deterioração da conjuntura a que se está actualmente a assistir na economia mundial. É por isso que o parecer do Conselho das Finanças Públicas que acompanha o OE afirma que o crescimento previsto pelo Governo não é o cenário mais provável.

De qualquer modo, ao basear-se num crescimento deste tipo, o OE acaba por ficar necessariamente com resultados mais favoráveis numa série de componentes da receita e da despesa. Um dos principais é o dos impostos indirectos, que o Governo prevê possam crescer 4,3% (ou mais 1310 milhões de euros), um valor que até supera o crescimento nominal da economia de 3,4%. O agravamento previsto nas taxas de Impostos Especiais sobre Consumo (IEC) e do Imposto sobre Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) também ajuda com 75 milhões de euros. De igual modo, despesas sociais, como o subsídio de desemprego, apontam para despesas menores, num cenário em que a taxa de desemprego cai para 6,3%.

Juros ainda a cair

É dos encargos com juros que têm saído, nos últimos exercícios orçamentais, algumas das principais poupanças ao nível da despesa. E em 2019, apesar de já se estar a assistir a uma inversão da política do BCE, o Governo volta a antecipar novas poupanças. O OE prevê que a despesa com juros caia desta vez 191 milhões de euros, contribuindo para um corte do défice de 0,2%. Aqui, os riscos são significativos, já que basta uma deterioração do ambiente vivido no mercado, por exemplo em relação a Itália, para Portugal e outros países da zona euro poderem ver as suas taxas de juro a caminhar para níveis mais elevados.

Aumento dos dividendos

Mesmo depois dos dividendos recorde do Banco de Portugal deste ano, o Governo parece ter conseguido encontrar forma de reforçar ainda mais esta receita em 2019. Nas tabelas do OE, prevêem-se dividendos totais de 810,3 milhões de euros, um valor que supera, de acordo com as contas do Governo, o resultado deste ano em 326 milhões de euros.

Do lado do Banco de Portugal, estima o OE, poderão vir 628 milhões de euros. E, como complemento, o Governo está a contar com uma ajuda este ano em torno de 150 milhões de euros da Caixa Geral de Depósitos, que desde o início da crise apenas vinha dando contributos negativos para o défice. No entanto, este dividendo do banco público ainda não está garantido, já que o Governo ainda está à espera de aprovações a nível europeu desta entrega por parte de um banco que foi alvo de uma recapitalização e se encontra em processo de reestruturação.

Poupança com revisão da despesa

Tal como no ano passado, o Governo inclui no OE um exercício de revisão da despesa, recomendado desde sempre pela troika, e do qual retira várias poupanças, realizadas essencialmente nos sectores da Educação e da Saúde, e que vão da redução do absentismo aos ganhos com a centralização de compras. Ganho estimado: 236 milhões de euros.

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