Direita e esquerda perto de acabar com a taxa adicional dos combustíveis

Bancadas concordam com o princípio, mas ainda não é certo que se forme uma coligação negativa para reverter uma medida que está no Orçamento do Estado

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Daniel Rocha

Da direita à esquerda, com excepção do PS, todos estão de acordo com o princípio de acabar definitivamente com o adicional ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP). Só falta entenderem-se sobre qual o caminho a seguir depois. Tendo em conta esse entendimento sobre o princípio, é bem possível que na próxima semana os socialistas acabem por ficar à margem nas votações – ou na descida sem votação – dos projectos de lei do CDS e do Bloco e dos projectos de resolução do PSD e do PCP que estipulam (os dois primeiros) ou recomendam ao Governo (os segundos) o fim daquela taxação adicional ao ISP.

O bloquista Heitor de Sousa, autor do diploma que o Bloco entrega no Parlamento nesta sexta-feira, adiantou ao PÚBLICO que a sua bancada vai propor a eliminação do adicional ao ISP, que fora definido pelo Governo em 2016 em seis cêntimos por litro de gasolina e de gasóleo, e a passagem para um sistema em que o preço recomendado de venda ao público passe a ser revisto mensalmente tendo em conta a variação do preço médio do barril de petróleo no mercado internacional do mês anterior, apurado pela Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis.

Com esta medida, aumenta-se a transparência para o consumidor, defende o deputado do Bloco, que afirma que nestes dois últimos o mercado tem sido muito rápido a aumentar os preços dos combustíveis quando o barril de petróleo encarece, mas muito lento a reduzir os preços da gasolina e do gasóleo quando o barril fica mais barato, o que tem levado a uma tendência a médio prazo de aumento dos preços para o consumidor. Heitor de Sousa admite que esta solução possa levar a uma perda de receita para o Estado, mas argumenta que é a única forma de ter os consumidores compensados pela volatilidade do preço da matéria-prima.

Nas contas do Bloco, apesar de o Governo do PS ter prometido que o adicional de seis cêntimos por litro de combustível serviria para colmatar apenas a diferença entre a receita fiscal prevista e a que efectivamente obtinha devido à descida do preço do barril de petróleo, na verdade os cofres das Finanças acabaram por receber mais dinheiro por litro com as sucessivas variações dos preços do barril e do combustível nas gasolineiras – sete cêntimos no caso da gasolina e nove cêntimos no caso do gasóleo.

A proposta bloquista prevê que o novo sistema entre em vigor um mês após a publicação da lei, pelo que durante esses 30 dias caberá ao Governo regular, por portaria, o novo regime. Para evitar contrariar os valores previstos no Orçamento do Estado para este ano com o ISP definido no ano passado, o Governo poderá acabar por determinar que a entrada em vigor da nova forma de cálculo dos preços recomendados se faça só dentro de alguns meses.

Voltando às contas parlamentares: bastará que o Bloco se abstenha no projecto de lei do CDS e vice-versa para que os dois diplomas sejam aprovados, mesmo que o PCP vote ao lado do PS contra estas propostas. Porém, também é bem possível que os partidos se entendam para baixarem sem votação os projectos de lei à comissão de Economia. É que na mesma comissão tem sido debatida a necessidade de rever o modelo de fixação dos diversos impostos e preços do sector dos combustíveis, acrescenta o deputado do Bloco.

Uma das questões é também abordada pelo projecto de lei do PCP que estará também em discussão no dia 21, a par dos quatro diplomas sobre o adicional ao ISP. Os comunistas querem aumentar o nível de incorporação de biocombustíveis no gasóleo rodoviário de forma a conseguir reduzir o seu preço final ao público. O PÚBLICO tentou saber qual a posição do PCP sobre os projectos do Bloco e do CDS mas não foi possível obter um comentário dos comunistas.

Na passada segunda-feira, porém, na apresentação do projecto de resolução que recomenda ao Governo a “imediata redução do ISP”, Vasco Cardoso, da Comissão Política do Comité Central, prometeu que o partido teria iniciativas legislativas próprias sobre o fim do adicional ao ISP ao mesmo tempo que se assegura a “neutralidade fiscal” com que o Governo se tinha comprometido. E quer ouvir no Parlamento as explicações do ministro da Economia, do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e da Autoridade da Concorrência – o que indicia que os comunistas não tenham, por enquanto, uma atitude tão assertiva como os bloquistas.

PS pede compensação

O Bloco e PCP – que apoiam o Governo no Parlamento – juntam-se agora à oposição. À direita, é certo que PSD e CDS se vão aliar nesta causa. António Leitão Amaro, vice-presidente da bancada do PSD, afirmou ao PÚBLICO que o partido já votou a favor de um projecto do CDS semelhante e que “não há razão” para não o voltar a fazer. Mas defende o projecto de resolução do PSD (que é só uma recomendação ao Governo) como uma solução “mais rápida e legal”. É mais rápida do que a do CDS já que o projecto dos centristas ainda teria de ser debatido na especialidade, caso viesse a ser aprovado. O facto de o projecto social-democrata ser uma recomendação ao Governo é desvalorizado pelo PSD por considerar que a matéria se coloca no plano político.

Segundo o deputado do PSD, o projecto do CDS “pode trazer um problema de violação da lei-travão”, que não permite reduzir a receita no âmbito do Orçamento do Estado. O líder da bancada centrista contesta este argumento: “Não pode violar porque o Governo argumentou que haveria neutralidade fiscal nesta medida”. Questionado sobre se esta pode ser uma coligação negativa a formar-se no Parlamento, Nuno Magalhães prefere dizer que “é uma coligação positiva para os portugueses que estão a pagar mais do que deveriam”.

O líder da bancada centrista lembra que o CDS “foi o primeiro a denunciar que o Governo não estava a cumprir o que prometeu”. Depois dos avisos, agora o momento é de tentar “obrigar, por via legislativa” o Executivo a eliminar o adicional de ISP, que já foi imposto no Orçamento do Estado para 2016 e mantido nos orçamentos seguintes. Por várias vezes, o CDS apresentou uma proposta para eliminar esta tributação, no âmbito do Orçamento do Estado, mas foi chumbada por PS, PCP e BE.  

António Leitão Amaro não quis responder directamente sobre a perspectiva de se formar uma coligação negativa, mas considera que os partidos à esquerda têm de ser coerentes com o que defendem. “Espero que o PCP e o BE votem favoravelmente a nossa proposta”, desafiou.

Na bancada do PS a possibilidade de uma coligação negativa para aprovar o fim do adicional do ISP ainda é um cenário por analisar. O deputado Luís Testa prefere sublinhar a ideia de é preciso uma compensação para a perda de receita fiscal representada pelo adicional no ISP. “Se alguém me apresentar uma contraproposta sobre onde é que se vai buscar a receita eu aceito”, afirmou ao PÚBLICO, referindo que quatro cêntimos de adicional por litro de combustível “não é uma coisa brutal”.

Tanto PSD como CDS argumentam que, com os impostos aplicados a gasolina e gasóleo, os portugueses estão confrontados com um agravamento do preço dos combustíveis. “Se compararmos os preços médios dos combustíveis de 2018 com os de 2015, conclui-se que: na gasolina, 68% do aumento do preço médio resulta do agravamento de impostos (9 cêntimos de aumento do preço médio, dos quais 6 cêntimos são por aumento de impostos)”, lê-se no projecto de resolução do PSD.

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