Ricardo Salgado pagou 106 milhões de euros a empresas públicas venezuelanas

Num desses "negócios", com a empresa de petróleos PDVSA, o BES/GES conseguiu a gestão, durante seis anos, do fundo de pensões dos trabalhadores da empresa em troca de um investimento de 750 milhões de euros na Rio Forte.

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Ricardo Salgado Rui Gaudêncio

Pelo menos dez empresas públicas venezuelanas investiram milhões de dólares do Banco Espírito Santo/Grupo Espírito Santo para favorecer as empresas do grupo então gerido por Ricardo Salgado, como a Rio Forte. A notícia é avançada pela Sábado e pelo Observador, nesta quinta-feira. O “negócio venezuelano”, sob investigação do Ministério Público no âmbito do processo Universo Espírito Santo, começou em Julho de 2008 e teve o seu pico em 2009, quando 8200 milhões de euros foram aplicados no GES por parte de empresas venezuelanas. O negócio durou até 2013, de acordo com a tese do Ministéiro Público.

A revista Sábado desta semana divulga vários negócios com empresas públicas venezuelanas, como a PDVSA – Petróleos da Venezuela, Banco del Tesoro (que geria o fundo soberano Fonden- Fundo Nacional de Desenvolvimento), Electricidade de Caracas e Electicidade Del Caroni e empresas do sector mineiro como a Carbozulia, no valor de vários milhões de euros. “Por determinação de Ricardo Salgado, foi desenvolvido um pagamento ocultos de comissões das contas oficiais do BES e GES, para iludir a sua existência” que terão servido para remunerar terceiros em cerca de “124 milhões de dólares [106 milhões de euros ao câmbio actual]”, escreveu o Ministério Público, nas alegações que enviou, em 2017, ao Tribunal da Relação de Lisboa, numa altura em que defendeu a manutenção das medidas de coacção aplicadas a João Alexandre Silva, o único detido mantido em prisão domiciliária no âmbito do inquérito principal ao caso BES/GES. Seria ele o responsável pela “sucursal” da Madeira e pelos “clientes” venezuelanos do banco.

“Os investimentos obtidos de entidades venezuelanas no GES, área financeira e não-financeira, tiveram por base o compromisso assumido em nome, e com o acordo do arguido Ricardo Salgado, de serem efectuados pagamentos a pessoas venezuelanas que os tornaram possíveis junto de decisores das entidades públicas em causa”, escreve o MP, citado pela Sábado. As “luvas” terão somado cerca de 124 milhões de dólares (106 milhões de euros) para pagar a “entidades detidas por altos quadros venezuelanos”.

O dinheiro usado para corromper “agentes públicos internacionais” viria todo da mesma conta, controlada a partir da suíça por Jean-Luc Schneider, um dos braços-direitos de Salgado. Schneider movimentava a conta detida pela Enterprises Management Services, a empresa-fantasma que alimentava o saco azul do BES/GES e que terá sido usada nos negócios com a Venezuela. O dinheiro seguia para offshores cujos beneficiários eram altas figuras ou empresas venezuelanas como é o caso da Paratus Investments, que recebeu 15 transferências avaliadas em 6,8 milhões de doláres (ou 5,9 milhões de euros) entre Março de 2009 e Novembro de 2012 e cujos beneficiários eram Francisco Diaz e Margarita Mendola Sánchez. Sánchez tornar-se-ia procuradora-geral da Venezuela em 2011 e diplomata na embaixada venezuelana em Portugal, cargo que ocupa actualmente.

Os offshores foram associados à abertura de contas bancárias no Banque Privée suíço, no ES Bankers Dubai, nos Emiratos Árabes Unidos, e na Sucursal Financeira Exterior, na Madeira, onde trabalhava João Alexandre Silva, que terá servido como interlocutor de Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, e intermediário nos pagamentos aos representantes da PDVSA.

João Alexandre Silva trabalhou, escreve a Sábado, ao lado de Michel Ostertag, suíço que controlava o saco azul e que terá montado uma rede de 30 sociedades offshore que abriram contas no Dubai para receber pelo menos 105 milhões de euros. De acordo com a tese do MP, esse dinheiro servu para pagar a entidades que “angariaram os negócios da Venezuela”, com base “em resultados obtidos em factores intangíveis, como a divulgação do nome Espírito Santo e tangíveis, como o volume de investimentos na área financeira e não financeira”, cita a Sábado. O caso terá sido também alvo de uma investigação no Dubai, que levou ao encerramento de vários offshores que pertenciam a venezuelanos.

Outro acordo com o venezuelanos detectado pelo Ministério Público data de 2014, ano em que a ESAF, entidade do grupo BES, passou a gerir, durante seis anos, o fundo de pensões dos trabalhadores da PDVSA, avaliado em 3550 milhões de dólares. O negócio foi adjudicado depois de vários contactos entre o próprio Ricardo Salgado, dois homens fortes do BES Madeira (João Alexandre Silva e Paulo Nacif) e Rafael Ramírez, presidente da empresa e ministro do Petróleo da Venezuela à data.

Actualmente, Ramírez é representante permanente da Venezuela nas Nações Unidas e recusa-se a voltar a Caracas, onde está a ser investigado por corrupção e desvio de fundos da PDVSA – cerca de 3500 milhões de euros que desapareceram dos cofres da empresa pública de petróleo venezuelana entre 2007 e 2012. Em “troca”, a PDVSA investiu 750 milhões de euros na Rio Forte, a partir de 15 de Julho de 2014.

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