Tribunal da Supervisão multa Ricardo Salgado em 3,7 milhões

O Tribunal decretou a inibição do exercício de cargos em instituições financeiras de oito anos para Ricardo Salgado e de um ano para Amílcar Pires, que quer voltar à banca. Defesa de Salgado, liderada por Proença de Carvalho, vai recorrer

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LUSA/ANTóNIO COTRIM

O Tribunal da Supervisão condenou hoje o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, a uma coima de 3,7 milhões de euros e o antigo administrador Amílcar Morais Pires ao pagamento de 350.000 euros.

Em causa no processo estão as contra-ordenações aplicadas pelo Banco de Portugal (BdP), em Agosto de 2016, nomeadamente por comercialização de títulos de dívida da Espírito Santo Internacional junto de clientes do Banco Espírito Santo (BES), tendo Ricardo Salgado sido multado pelo supervisor numa coima de 4.000.000 euros e Amílcar Pires de 600.000 euros, de que ambos recorreram para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém.

Na decisão proferida hoje, de que a juíza leu apenas a parte dispositiva, pedindo dispensa da leitura das 1.150 páginas da sentença, Anabela Campos considerou "globalmente demonstrada" a matéria de facto enunciada na decisão do BdP.

No caso de Ricardo Salgado, confirmou a prática de cinco contra-ordenações, a título doloso directo, que culminou na coima única de 3,7 milhões de euros e inibição do exercício de cargos no sector financeiro por oito anos.

As coimas referem-se à não implementação de sistemas de informação e comunicação adequados (400.000 euros), não implementação de um sistema de gestão de riscos sólido, eficaz e consistente, no que concerne à actividade de colocação de produtos emitidos por terceiros (400.000 euros), a actos dolosos de gestão ruinosa, praticados em detrimento dos depositantes, investidores e demais credores (1,9 milhões de euros), a prestação de falsas informações ao BdP (um milhão de euros) e violação das regras sobre conflitos de interesses (700.000 euros).

Nas alegações finais, a procuradora do Ministério Público entendeu não ter ficado provado que Amílcar Pires actuou com dolo, mas sim de forma negligente (confirmado hoje na sentença, que, ainda assim, aplicou uma multa superior à pedida pela procuradora), e considerou alguns atenuantes para uma redução da coima aplicada a Ricardo Salgado dos quatro milhões de euros da decisão administrativa para 3,5 milhões de euros, acompanhada do pedido de uma suspensão em um terço (a que a juíza não atendeu), mantendo o pedido de sanção acessória de inibição do exercício de cargos no sector durante 10 anos e de publicitação.

O Tribunal decretou ainda a inibição do exercício de cargos em instituições financeiras de oito anos para Ricardo Salgado e de um ano para Amílcar Pires.

Recurso a caminho

A defesa de Ricardo Salgado já fez saber, entretanto, que vai recorrer da decisão proferida hoje pelo Tribunal da Supervisão. Para Francisco Proença de Carvalho, a decisão proferida pela juíza Anabela Campos, do TCRS, "não reflecte o que se passou no julgamento", iniciado em Março de 2017, após interposição de recurso, por Ricardo Salgado e pelo antigo administrador do BES Amílcar Morais Pires, das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal (BdP) em 2016.

O advogado declarou a sua "preocupação" por, "aparentemente", o procedimento do Banco de Portugal, que "primeiro anunciou uma decisão condenatória e depois fez um processo", não ser "um problema para a justiça portuguesa".

Por outro lado, apontou "o procedimento que está a decorrer sobre eventual coacção sobre testemunhas neste processo", pedindo que seja apurada "toda a verdade para que se possa fazer um julgamento justo e seguindo todas as regras".

Francisco Proença de Carvalho referia-se ao processo de inquérito que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, na sequência da extracção de declarações de José Castella, antigo responsável financeiro do Grupo Espírito Santo, feita a pedido do Ministério Público, por ter afirmado, no seu depoimento como testemunha neste processo, ter sido alvo de coacção durante a inquirição pelo Banco de Portugal, em Setembro de 2014.

A audiência de hoje começou por um despacho da juíza indeferindo um requerimento da defesa de Ricardo Salgado, que pedia a suspensão do presente processo por um ano, dado estar a decorrer esse inquérito, por factos que considera "gravíssimos".

Francisco Proença de Carvalho afirmou confiar "que isto seja só uma fase" no processo, adiantando que, após conhecer os fundamentos da decisão, haverá recurso para a Relação.

"Espero sinceramente que a justiça saiba ser imune ao que tem sido todo este cenário à volta do dr. Ricardo Salgado. Ele merece uma justiça tão isenta como qualquer cidadão português, é a única coisa que pede", declarou.

Apontando a "coragem" e "dignidade" do antigo presidente do BES, o advogado afirmou que Salgado "sabia no momento da resolução do BES que ia ter este caminho, porque era necessário encontrar o responsável, mesmo que não se fizesse o apuramento dos responsáveis".

Antes de entrar para o Tribunal, Ricardo Salgado respondeu à questão sobre os alegados pagamentos ao antigo ministro da Economia Manuel Pinho recordando o que disse aquando da Operação Marquês, de que nunca corrompeu ninguém.

Morais Pires quer regressar à banca

Após ouvir a sentença proferida pelo TCRS, o antigo administrador do BES Amílcar Morais Pires declarou estar disponível para voltar a trabalhar na banca.

Morais Pires falava aos jornalistas à saída do Tribunal, em Santarém. "Hei-de voltar a trabalhar logo que estes recursos funcionem e se volte a repor a verdade nestes dossiês. Tem-se feito muita calúnia, muita mentira à volta dos processos, e nomeadamente sobre a minha conduta, e penso que gradualmente se vai repor essa verdade e então equacionarei o voltar a trabalhar na banca", declarou.

Sublinhando que o que queria no final do julgamento do recurso que interpôs à decisão do BdP era a absolvição, Amílcar Morais Pires sublinhou o "progresso razoável mas não suficiente" e a sua "surpresa" por a sentença proferida pela juíza Anabela Campos não ter acompanhado a posição defendida pela procuradora Edite Palma nas alegações finais.

A procuradora entendeu não ter ficado provado que Amílcar Pires atuou com dolo, mas sim de forma negligente, pedindo a condenação ao pagamento de uma coima de 300.000 euros, suspensa em dois terços e a revogação da sanção acessória de inibição do exercício de cargos dirigentes no setor financeiro e bancário durante três anos, mantendo a obrigação de publicitar a eventual condenação.

Anabela Campos manteve a condenação pela prática, a título doloso eventual, de duas contraordenações por não implementação de sistemas de informação e comunicação adequados (200.000 euros) e não implementação de um sistema de gestão de riscos sólido, eficaz e consistente, no que concerne à atividade de colocação de produtos emitidos por terceiros (300.000 euros), que culminou na coima única de 350.000 euros.

"Vamos aguardar. A luta continua", declarou, frisando que "está disponível" para voltar à banca, mas neste momento está centrado em enfrentar "lutas mais prementes".

Raul Soares da Veiga, mandatário de Morais Pires, apontou igualmente o "progresso" registado e o facto de a decisão ir "contra a posição defendida pelo próprio Ministério Público", mas sublinhou o facto de não conhecer ainda os fundamentos da sentença.

Soares da Veiga explicitou que, após a decisão de hoje, Morais Pires "pode já trabalhar" em funções que não exijam a declaração de idoneidade por parte do supervisor, ou seja, que não impliquem o exercício de cargos nos órgãos sociais.

"É um homem da banca, é a vida dele, não ganha honestamente a vida doutra maneira", afirmou, apontando o facto de Morais Pires ter dedicado "toda a sua vida à defesa dos interesses do Banco Espírito Santo" e não ter agido "intencionalmente contra ninguém, nem contra BES nem contra quem quer que seja".

"O que nos daria satisfação era uma absolvição ou pelo menos uma concordância com o Ministério Público. Felizmente há tribunais superiores, iremos recorrer naturalmente", declarou.

O mandatário do BdP, João Raposo, frisou o facto de a decisão ter confirmado a condenação pelas infrações que o supervisor tinha imputado a Morais Pires e ao ex-presidente do BES Ricardo Salgado, "não se tendo distanciado especialmente" das coimas aplicadas na fase administrativa.

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