É chato acabar como o Khadafi

Às ameaças globais para o humanidade que representam uma guerra nuclear e as alterações climáticas, temos de acrescentar uma terceira: Trump, ele mesmo.

A simples hipótese de atribuição do Prémio Nobel da Paz a Donald Trump, sugerida por alguns dos seus indefectíveis republicanos, devido ao seu papel num eventual processo de paz entre as duas Coreias e a desmilitarização do Norte da península, pecava por duas razões: por ser prematura e por ser risível. A saída dos EUA do acordo nuclear com o Irão e a mudança da embaixada para Jerusalém demonstraram que o que move o Presidente norte-americano não é a paz, mas sim destruir o legado de Obama e impedir qualquer solução para o Médio Oriente que envolva o reconhecimento de um estado palestiniano. A mudança da embaixada, festejada ao longo de 48 horas, coincidindo com o 70.º aniversário da criação de Israel, e o consentimento à resposta desproporcionada aos protestos na fronteira com Gaza não são compatíveis com promessas de paz no Médio Oriente ou onde quer que seja. Não custa aceitar que Kim Jong-un não acredite em Trump e que este desconfie daquele. O melhor mesmo é não confiar em nenhum deles: um é um rocket man no activo; o outro é um rocket man em potência.

Acontece que é chato acabar como acabou Muammar Khadafi, que também assinou um acordo de suspensão do programa nuclear líbio em troca do alívio de sanções económicas e foi morto e deposto na sequência de uma intervenção da NATO. De facto, sugerir que o que aconteceu com a Líbia também pode acontecer com a Coreia do Norte, como o fizeram Mike Pence e John Bolton a duas semanas de uma cimeira histórica, é tudo menos inteligente. É o que acontece a alguém que se rodeia de personagens que fazem da guerra a principal motivação da sua geopolítica.

Como se ainda fossem necessários mais exemplos, os acontecimentos deste mês são suficientemente elucidativos das tergiversações de que Trump é capaz. Trump achava que podia rasgar um acordo com o Irão, apoiar Israel incondicionalmente e ainda assim ficar bem numa fotografia ao lado do líder norte-coreano, que faria dele um paladino da paz. Os EUA nem vão contribuir para a desnuclearização do Irão nem da Coreia do Norte. O irónico é que o anúncio da suspensão da cimeira entre Trump e Kim ocorra no dia em que a Coreia do Norte anunciou o desmantelamento do local onde foram realizados testes nuclares.

Às ameaças globais para a humanidade que representam uma guerra nuclear e as alterações climáticas, temos de acrescentar uma terceira: Trump, ele mesmo.

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