John Parish faz bandas sonoras que não precisam de imagem

O artista britânico passou pelo Porto e hoje está em Lisboa para apresentar, no âmbito do IndieLisboa, o filme-concerto “Screenplay”. Antes disso trocou umas palavras com o P3 para contar a relação com as bandas sonoras e com PJ Harvey, com quem trabalha há mais de duas décadas

Jaka Babnik
Fotogaleria
Jaka Babnik
John Parish
Fotogaleria
John Parish

Uma linha de teclado minimal serve de base para uma cena de um filme. Tudo se passa em cima de um palco. É John Parish que, frente a uma plateia, se lança ainda só com o guitarrista a acompanhá-lo para uma viagem cinematográfica que obriga a repensar a ideia de que uma imagem vale por mil palavras. Está no Hard Club, primeira de duas datas em Portugal reservadas para apresentar o álbum Screenplay, de 2013. Esta quinta-feira, 3 de Maio, tocou no Porto, no Hard Club; hoje, dia 4, é a vez de Lisboa, na Culturgest, pelas 21h30.

Estes dois concertos, organizados no âmbito do festival de cinema IndieLisboa, são uma oportunidade para o músico e produtor, conhecido pelo trabalho que desde há mais de duas décadas desenvolve com PJ Harvey, dar a conhecer parte das composições que criou para bandas sonoras de vários filmes.

Não o faz sozinho. Depois de uma entrada em que parte da banda ainda não tinha chegado ao palco, juntam-se ao compositor Marta Collica (teclados e voz), Giorgia Poli (baixo e voz), Jean-Marc Butty (bateria) e Jeremy Hogg (guitarra). Os dois últimos também já tocaram com PJ Harvey.

A partir daí somos engolidos pelo universo sonoro de Parish, que nos leva por caminhos por onde já passaram os compositores Ennio Morricone ou John Barry. De resto, é tanto o criador de trilhas sonoras para spaghetti westerns como o compositor que deu música ao James Bond, influências assumidas pelo próprio.

Para que se perceba, John Parish e a sua banda tocaram na íntegra Screenplay, editado como um álbum a solo mas que é uma compilação de músicas criadas pelo compositor para servirem de banda sonora para vários filmes. O álbum é entregue ao público enquanto são projectadas numa tela cenas dos vários filmes dos quais as músicas fazem parte. Em alguns momentos, na transição de músicas, os diálogos das próprias cenas são usados como interlúdios. Outras vezes, opta-se por fazer desaparecer a imagem e deixar apenas a música soar.

E é aí que a frase atribuída a Confúcio ganha outros contornos. Se uma imagem vale por mil palavras, a música vale por mil imagens. Talvez esta afirmação seja arriscada, mas Parish provou que, apesar do binómio imagem e música sair reforçado quando trabalhado em conjunto, aquelas composições têm vida própria e sobrevivem isoladamente. Sem esforço, são guias para que quem escute crie os seus mundos.

E este foi um dos motivos que levou o compositor a lançar este álbum. É o próprio que nos diz concordar com a ideia de que uma banda sonora pode funcionar por si só, sem o suporte imagem. "Ouço muitas bandas sonoras sem necessariamente conhecer bem o filme, ou mesmo sem o conhecer”, afirma, em entrevista ao P3. São raros os casos em que diz não funcionar, embora admita que há trilhas sonoras que só fazem sentido in situ.

A coesão sonora de Screenplay

No caso de Screenplay, estamos perante um trabalho que ninguém adivinharia ser um conjunto de composições criadas para filmes diferentes em anos diferentes. É um álbum coeso, que poderia ter sido composto no mesmo espaço temporal. Isso não acontece por acaso. “Passei muito tempo a trabalhar para perceber que músicas funcionariam bem em conjunto para soar como um álbum. Perdi o mesmo tempo a sequenciar o disco. Foi um processo trabalhoso porque as músicas foram escritas durante um período de vários anos e para projectos diferentes, mas desde o início senti que havia uma forma de fazer com que tudo soasse bem”, conta.

É às influências já referidas e a muitas das bandas sonoras da “época de ouro do cinema”, nos 1960/70, que vai buscar essa capacidade de isolar a música da imagem. No caso de Morricone e Barry, é igualmente possível ouvir as bandas sonoras sem que se perceba que foram criadas para servir de suporte a um filme.

Apesar do trabalho que desenvolve para filmes, Parish tem um currículo extenso fora do universo cinematográfico como produtor, compositor e intérprete em projectos musicais diferentes. De certa forma, considera que trabalhar com e para outros músicos não é muito diferente do que o trabalho que leva a cabo para cinema. “Tanto num caso como no outro é um trabalho colaborativo. Não deixa de ser estranho, porque eu era um pouco obcecado com o controlo quando comecei. Porém, agora dá-me realmente prazer a faísca que existe quando se trabalha com outras mentes criativas, seja um realizador de cinema, um coreógrafo ou um músico que eu possa estar a produzir. Sinto que isso me mantém actualizado e torna menos provável que repita ideias. Por outro lado, é também uma constante fonte de inspiração.”

PJ Harvey: uma parceria de quase 30 anos

Dos vários artistas com quem já trabalhou fazem parte nomes como Tracy Chapman, Eels, Giant Sand, Goldfrapp, 16 Horsepower ou PJ Harvey, com quem tem uma relação de longa data. “Conhecemo-nos há cerca de 30 anos e somos amigos íntimos desde então. É inestimável conhecer alguém com uma opinião artística na qual se pode confiar. Ter uma pessoa assim presente em toda a carreira é mais do que qualquer um poderia esperar”, afirma.

O último álbum em que trabalhou com PJ Harvey foi precisamente o úlimo que a artista lançou, The Hope Six Demolition Project, em 2016, que co-produziu e onde também toca. Não tendo neste momento na agenda nada que faça prever outro trabalho em conjunto, tem uma certeza: “Não consigo adivinhar o futuro, mas não consigo imaginar um momento em que não seremos importantes um para o outro, independentemente de estarmos ou não a trabalhar directamente juntos.”

A sessão criativa com Mazgani

Outro artista com quem trabalhou foi o luso-iraniano Mazgani, no álbum Common Ground, de 2013. É uma relação que nasce precisamente à boleia de PJ. “Conheci o Mazgani em Lisboa quando a PJ Harvey esteve em digressão em 2010. Gostei dele e da sua música e fiquei muito feliz por fazer o álbum. O Mazgani passou três ou quatro semanas em Bristol comigo e com Mick Harvey, que também co-produziu e tocou no álbum. Foi uma sessão criativa muito agradável.”

Com mais de meia centena de trabalhos editados, nos quais colaborou como músico ou produtor, o artista britânico está em constante rotação. “Neste momento, estou a meio da produção do novo álbum de Aldous Harding”, revela. Preparado e com data marcada está o novo trabalho que vai lançar: “Tenho um novo álbum a solo pronto a sair em Junho. Parece meio estranho chamá-lo de álbum a solo quando há um grupo de pessoas a contribuir para o trabalho. O álbum chama-se Bird Dog Dante e será lançado pela editora americana Thrill Jockey.”

Sugerir correcção
Comentar